Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fragmentos de reflexões fenomenológicas V

05/02/2021

 

  • Continuamos na leitura do texto caminho do campo. A dificuldade que nas sessões anteriores estava presente, embora não a tenhamos tematizado especialmente, persistia, a saber, o que tem a ver todas essas descrições do caminho do campo com a fenomenologia e método fenomenológico. Assim, poderíamos perguntar: o que tem a ver as cenas da terra natal de Heidegger com as questões fundamentais da filosofia? Ou talvez nesse caminho do campo Heidegger não mais estaria interessado nessas questões objetivas e universais da filosofia e das ciências, mas sim com vivências e recordações da sua infância, ele que está numa idade em que a maioria das pessoas pensa na sua velhice e no seu fim vindouro… Usando jargão filosófico, poderíamos formular a nossa dúvida dizendo: De que se trata no caminho do campo, trata-se de uma dimensão ontológica ou apenas subjetivo-pessoal, privativa? Heidegger chamou a fenomenologia de ontologia fundamental no Ser e tempo. Em vários lugares de suas obras Heidegger nos mostra como entre os gregos antigos a palavra fenômeno (phainómenon; phainesthai) dizia a mesma “coisa” que ón, on-tos, a saber o ente, o em sendo. (Daí phainomeno-logia = onto-logia!). Acontece que usualmente, i. é, no uso da tradicional ontologia e metafísica moderna, ente e ser são termos cujo significado é lógico. O que quer dizer, de que se trata quando aqui dizemos que o significado usual dos termos ente e ser é lógico? Significa que o ente foi reduzido a ob-jecto (o que vem de encontro a partir e dentro da posição como projeto). O ser, ou melhor, o modo de ser de um tal ente ob-jecto é pura posição. Esse modo de ser da pura posição aparece no “é” da “cópula” do juízo, cujo esquema pode ser assinalado como S é P e corresponde ao esquema do ser do objeto, a objetividade (S ↔ O) O conceito do ser da ontologia tradicional se refere ao sentido do ser desse é da objetividade. Aqui ser, ao significar pura posição não possui nenhum conteúdo, não significa nada a não ser que é pura posição. Aqui é necessário perceber-se com precisão toda própria que esse puro movimento de se pôr, a pura posição não é tematizada quando dizemos é, ente, em sendo, ser, e já é interpretada como ente posto, como conteúdo formalizado como ocorrência, como o simplesmente dado, como De tal modo que pode surgir uma exclamação: “Por que há simplesmente o ente e não antes o nada?”[1] O que denominamos de redução fenomenológica não é outra coisa do que “suspender”, “pôr entre parênteses” essa hipostatização que se dá na e da “pura posição” para a “entidade” formal sem conteúdo da pura “ocorrência” do simplesmente dado, em todas as “realizações” da “realidade” de tal modo que a “realidade” só vem à fala, vem à luz no puro médium (Grundstimmung = tonância, afinação do fundo) do nada a não ser a pura disposição da espera, recepção, cuidado no encaminhar se, seguindo os fios de meada (sentido do ser = Sinn vom Sein = sinnan = viajar) que quais trilhas e sendas abrem cada vez novas paisagens, mundos de realizações da realidade como mundos, sob o toque do destinar-se da insondável possibilidade de ser. Esse puro médium é o caminho do campo, o ontológico do fundo das constituições das paisagens que no jargão da fenomenologia se chama: exsistência, a saber: ser-no-mundo: Da-sein = ser-ai = pré-sença. (2) Isto tudo significa que todos os nossos encaminhamentos, abordagens e interpelações objetivas e objetivantes, quer na vida, quer nas ciências, são posicionamentos que estão fundados na hipostatização entificante-objectiva da pura ocorrência do simplesmente dado. Essa plataforma formal entificada ou objetivada da compreensão lógica do sentido do ser[2], se nela atuar a força “de-construtiva” da Redução fenomenológica, há de perceber que a positividade dos nossos saberes e das nossas ciências repousa num abismo, donde e em cuja possibilidade reside o fundo das suas fundamentações e coerências lógicas cada vez próprias. (3) Tomemos um exemplo. O olhar da mãe que protege e cuida o mundo dos sonhos dos jogos das crianças. No olhar da mãe está implicado: o olhar é ocorrente, existe. O olhar existente é da mãe (mãe é ocorrente, existe) (nesse ocorrer, nesse existir há diferença de prioridade ou densidade da entificação: mãe é ocorrente mais densamente do que olhar de tal sorte que o olhar pertence à mãe, é da mãe). Esse processo de adensamento e rarefação da medida de “realidade” enquanto quantificação da ocorrência é o posicionamento, o fundamento, a plataforma sobre a qual se dão as conexões das diferenças de cada objeto, assegurando-se assim a unidade, o conjunto. Mas nesse asseguramento, o que dá o tom fundamental é já um primeiro produto geral de uma determinada pura posição, de tal modo que a dinâmica da ação originariamente criativa não se põe, não se coloca em questão, i. é, não está no ponto de salto da eclosão do mundo, mas se transforma em primeira camada fixa de uma construção que não se percebe enquanto a pura disponibilidade do ponto de salto, esquece-se que é pura posição e se interpreta como fundamento, causa, como o sentido do ser da ocorrência, da neutralidade geral da objetividade que empresta o caráter de realidade aos entes; dos entes (os em sendos) que se transformam em objetos dessa fundamentação e uniformização objetivante e objetiva. Os entes nas suas diferenças são como que encaixotados dentro da quadratura formal do sentido do ser como ocorrência factual, reprimidos nas suas diferenças, se retraem e não aparecem em sendo cada vez salto do vir à luz da estruturação do ente no seu todo como ser-no-mundo. Husserl chama essa impostação objetivante de impostação natural ou crença na realidade. A redução fenomenológica suspende, põe entre parênteses a vigência, a validez dessa hipostatização do é como ser da objetividade, mostrando que ela, a hipostatização, já é pro-ducto de uma presença anterior e originária, a saber da pura posição que na fenomenologia de Husserl se chamou inicialmente de intencionalidade e mais tarde de Vontade da evidência apo-díctica e em Heidegger Da-sein, a saber a aberta (das Offene) como pura espera do inesperado, a clareira do ser, a pura dinâmica criativa e ab-soluta do velar-se e desvelar-se (=verdade) do abismo da possibilidade de ser em multifárias eclosões da concreção dos mundos, i. é, ente na sua totalidade. A fenomenologia assim entendida desfaz o feitiço da dominação das estradas que rasgam paisagens, fazendo-as desaparecer na sua identidade diferencial, transmutando tudo em objetos concomitantes e componentes do seu traçado retilíneo e libertando cada ente como sendas e paisagens de um mundo cada vez seu, na variedade e riqueza de suas diferenças, todos eles unidos no mesmo médium, na mesma toada de repercussão do modo de ser, do met’hodos, a saber do caminho que no texto que estamos lendo é caminho e ao mesmo tempo o desvelar-se da paisagem e seu modo de vir à fala: o caminho do campo. E assim, podemos dizer por fim que o caminho do campo é ele pura e limpiedamente ontológico ou fenomenológico. Nós que formamos um círculo e uma andança serpentina circular, mas marchamos valentemente na grande high way, na estrada poderosa das ciências e filosofias, não poderíamos ficar mais claros e nítidos na inquietação de uma questão ou da busca, do sentido do ser dos fundamentos das nossas posições de início, lá onde, se cavarmos um pouco mais para o fundo, pressentimos de súbito e de todo que essa pretensa superfície segura e firme das pressuposições fundamentais da nossa positividade científico-filosófica está por um fio no nada abissal da insondável e inesgotável possibilidade do sentido do ser que sempre nova e de novo nos envia acenos para o acordo e o despertar à espera do inesperado. Assim estamos no met’hodos, no elemento, no médium da coisa, i. é, causa ela mesma da fenomenologia.

[1] Heidegger, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1987, p. 33.
[2] Essa plataforma da compreensão, portanto, somos nós mesmos.
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