Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fragmentos de reflexões fenomenológicas III

05/02/2021

 

Fenomenologia como método:

Caminho

Por método, entende-se, aqui, não um procedimento técnico, mas a atitude fundamental do modo de indagar aquilo que se dá, vindo ao nosso encontro ao longo do caminho de nossa investigação. Com “método”, queremos dizer o princípio que norteia todo modo de interrogar no âmbito da reflexão ou investigação, o como do colocar questões e a forma de abordar problemas.

Método: methodos = meta + hodos.

Meta – sentido original: no meio de, no elemento de, na ambiência de (au milieu de); em meio a, entre (parmi); > daí: com (= syn, com); > posteriormente: rumo a, em busca de; > por fim: em seguida a, depois de. Em composições: situar-se em meio a, no entremeio de > participar de > suceder. Às vezes conota transformação, mudança.

Hodos –: caminho, via, viagem, andamento marcha, curso, percurso, incursão, rota, procedimento.

“Onde homens estão, ali estão caminhos”.

“Caminho é uma outra coisa do que senda ou estrada. Senda insere-se na natureza. Estrada passa ao largo da natureza. Caminho, isto abre a natureza, mostra sua configuração, seu espírito. No caminho, homem e mundo encontram-se no meio, perfilam-se mutuamente! O homem se deixa guiar pela natureza e, no entanto, inclui aí a sua vontade. Caminho é acordo, ajuste de afirmação e desempenho, graça e gesta, necessidade e liberdade. Talvez nada exista de mais sublime do que este acordo. A experiência fundamental “caminho” diz que, através do favor do conseguimento, o homem pode ser conduzido para fora de um poder estranho, mas pura e simplesmente na liberdade de si mesmo. No espírito do caminho, o homem produz o que cresce, deixa vir a ser o que é cheio de dedicação e forte, penoso e decidido” (Heinrich Rombach, Leben des Geistes – Vida do espírito).

“Não obras, caminhos” (Wege, nicht Werke, M. Heidegger – Mote das suas obras completas).

“Weg und Waage / Steg und Sage / finden sich in einen Gang. // Geh und trage / Fehl und Frage / deinen Pfad entlang.” (M. Heidegger, Da experiência do pensar).

“Caminho e Balança / Senda e Saga / acham-se num passo // anda e suporta / Falta e Pergunta / ao longo da tua senda.”

  1. Na medida em que no nosso círculo fenomenológico começamos a circular, começamos também a ficar confusos acerca da fenomenologia. Quem nada sabe ou pouco ouviu da fenomenologia provavelmente fica boiando, perguntando-se: estão falando de que? Quem sabe bastante ou muito, quem lida com fenomenologia, quem já estudou fenomenologia dentro das suas especialidades, principalmente dentro da psicologia, pode também estranhar o método circular do nosso encontro e ter a sensação de que ali não se está falando de fenomenologia, mas miscelânea emaranhada de opiniões filosóficas ecléticas, misturando tudo, anedotas zen, textos de autores da fenomenologia, principalmente muitos textos de Heidegger, e experiências pessoais etc. Quem está enjoado e aborrecido com certas exposições acadêmicas lineares do tipo <<<>*?<>>>>> monótonas, sem vida, padronizadas, politicamente corretas, pode achar interessante esse método que balança, vai e vem, dá saltos, empaca, avoa, diz besteiras etc. Mas se somos metódicos, sistemáticos, trabalhamos com exatidão nas ciências, nas quais somos especialistas, consideramos o método circular insuficiente, para não dizer brincadeira ou como dizem os estudiosos e especialistas da corrente filosófica neopositivista lógica denominada filosofia analítica, delírios dos fenomenólogos.
  2. Talvez seja útil aqui, para nós que somos acadêmicos, atinentes à excelência e à exatidão do saber do ensino superior, conhecer o uso de duas palavras que é aconselhável não adotar no meio acadêmico alheio à fenomenologia, para não sermos taxados de seitas secretas. As palavras em questão são exotérico e esotérico (cfr. Aurélio). Vem do grego exoterikós (exóteros) e esoterikós (esóteros). Exotéricos significa virado para fora, o que vem de fora. Esoterikós, virado para dentro, o que vem de dentro. Desse significado simples se derivaram outros significados como dirigido ao público e dirigido aos particulares especiais já iniciados; aberto a todos e secreto e fechado; seita secreta, especialização, iniciação etc.

A fenomenologia pode aparecer como exotérica. Virada para fora. Fora aqui é um termo ocasional ou circunstancial, cuja significação pede que digamos em que ocasião, em que circunstâncias estamos usando o termo. Quando usamos o binômio exotérico-esotérico, geralmente entendemos o binômio no sentido de virado para fora como dirigido ao público, não iniciado numa determinada compreensão. Semelhantemente, virado para dentro é entendido como dirigido ao círculo de pessoas já iniciadas numa determinada compreensão. Um variante desse modo de entender o exotérico-esotérico é a diferença colocada entre graduação e pós-graduação; leigo no assunto e especialista etc. Se tomarmos exotérico-esotérico nesse sentido e falarmos de curso de fenomenologia, a fenomenologia aparece como uma especialização de um saber cultural acadêmico como outras ciências. Ali existem modos didáticos de ensino, onde para quem ainda está p. ex. na graduação da filosofia, se deve dar informações etc. etc. E dentro dessa perspectiva, quanto mais se sobe na “graduação” do saber para pós-graduação mestrado e pós-graduação doutorado etc etc. aumenta o volume de informações e de competência técnico-objetiva. Esse modo de ser do saber científico-acadêmico cultural é uma conquista humana e possui o seu valor próprio. Fenomenologia que assim aparece no seu vir à fala a modo do saber científico-acadêmico cultural, tanto para iniciantes como para iniciados, tanto para quem está na graduação como quem já está na pós-gaduação, tanto para leigos como para especialistas é o exotérico da fenomenologia. Mas então a fenomenologia como esotérico, como é, o que é? Muitas pessoas que só conhecem a fenomenologia enquanto modo de saber científico-acadêmico cultural podem aqui cometer um qüiproquó e achar que o esotérico na fenomenologia é algo como saber místico espiritual a modo de esoterismo ou mundividência religiosa que critica a exacerbação racionalista das ciências e reivindica uma sabedoria mais humana, profunda, antropológica. Entender a fenomenologia assim como, digamos uma filosofia de vida, um saber existencialista etc. pode trazer muita utilidade. Mas todas essas “manifestações” da fenomenologia são “exotéricas”. Aqui fosse talvez útil recordar o que refletimos nos Fragmentos de reflexões fenomenológicas 2 acerca do estilo flecha e do estilo círculo na compreensão da fenomenologia e da compreensão toda própria que a fenomenologia tem da realidade e possibilidade, e principalmente no texto de Paul Klee quando ele explica o que é criativo e o que é a forma-terminal na criação artística. Nas reflexões do encontro 2, as aparições exotéricas da fenomenologia acima apresentadas são todas elas realidades. E a dimensão chamada possibilidade não é parte, não é “possibilidade” ou “potencialidade” de “possíveis” realizações ou realidades por vir, mas possibilidade no sentido da circularidade do método, a qual se quiser, pode se chamar de virado para dentro da fenomenologia, o seu esotérico. O estranhamento diante do modo de vira e revira do caminhar em círculos do nosso encontro é no fundo estranhamento que sentimos diante da fenomenologia como possibilidade. Foi sobre isso que começamos a refletir no nosso encontro n. 3, ao começarmos falar do método fenomenológico.

  1. Tentemos recordar o que no encontro 3 foi exposto já no início acerca da palavra método ao examinarmos o sentido grego dos termos que entram na composição meth-hodós. Foi dito que a palavra método vem do grego methodós que se compõe de metá e hodós. Hodós é: caminho, via viagem, andamento, marcha, curso, percurso, incursão, rota, procedimento. Em geral quando dizemos caminho pensamos “ir para frente, progredir em direção a uma meta, deixando atrás um caminho”. É o modo de entender o caminho como uma flecha e suas variações. Para entender bem o que é originariamente caminho, porém, é necessário entender bem as implicações que jazem na palavra meta que compõe methodos. Antecipando, para poder ver as conexões existentes nas conotações da palavra metá entre si, seja talvez útil ter presente o modo como uma fonte abre numa paisagem um caminho. A fonte brota através do olho d’água, insondável e inesgotavelmente do abismo, formando uma poça, que tateando, pouco a pouco vai seguindo as conformações dos acidentes da paisagem e aos poucos vai tomando a forma do sulco e depois de um rio em direção ao mar. (Um pensamento para mais tarde aprofundar: na realidade a fonte que superabundante vai se avolumando na presença, e forma um fio d’água que serpenteia como trilha no meio da vegetação rasa de um cerrado e aos poucos se torna um rio caudaloso, não faz o movimento de uma flecha, mas da fonte que como fio d’água vai fazendo aparecer as cercanias como quem em passando no meio das vegetações vai inundando invisivelmente todas as cercanias e regiões, para que venham à luz como paisagem).

Meta significa no meio de: como entender aqui no meio de? Se formos bem precisos, no meio de não deve ser entendido como “dentro de” a modo de um sapo na lagoa. Deve ser antes entendido como: o entre-meio, o permeio, o médium que está entre as coisas, fazendo cada coisa ser uma com as outras mutuamente. É nesse sentido que dizemos p. ex. de uma pessoa que não se acha mais ali, aqui ou acolá diante de nós, porque faleceu, que ele está no meio de nós, ora como elo invisível onipresente de união ou de desunião etc. Meta é portanto o modo de ser presença do que na filosofia denominamos de condição da possibilidade de. É o que está junto de, junto com não a modo “real” disto ou daquilo ou parte deles, não como isto e aquilo, digamos algo a modo de coisa, ao lado, em cima, em baixo ou no fundo das coisas, mas como permeio, entre-meio, médium, elemento: como a unidade que congrega as coisas num todo, como mundo. Por isso metá significa também com, syn em grego que significa unidade de co-pertença mútua no todo. Daí significa ambiência. Afastando-nos agora da explicação etimológica da palavra metá, podemos dizer agora que com metá estamos nos referindo ao que queremos dizer, ao usarmos expressões e palavras como essas: hoje os participantes do curso estão inteiramente alheios. Há um quê no ar!; o ambiente da assembléia não está legal; atmosfera, tonância, humor, horizonte, sentido do ser.

Vamos agora apertar mais um pouco a precisão da nossa compreensão a respeito do sentido do metá, fazendo a seguinte observação. Provavelmente, ao compreendermos o sentido do metá como acima tentamos explicar, a maioria de nós, entendeu todas essas expressões e palavras usadas, como p. ex. elemento, tonância, humor, ambiência, atmosfera no sentido do que a antropologia cultural denomina de “participation mystique”[1], a saber, imersão num estado de ser tomado e ser possuído por uma força sentida como irracional que por assim dizer engole a nossa consciência; ou no sentido de reação instintiva que o animal possui por ele estar naturalmente adaptado ao seu habitat ou ambiência. No caso do meta do methodos há uma grande diferença, digamos “qualitativa” entre estar no “ambiência” e no “elemento” ao modo do methodo humano e o que foi dito da participation mystique e do “instinto” animal ou mesmo “vegetal”. Essa diferença então aparece na palavra hodós que está intimamente ligada com o que na fenomenologia chamamos de sentido do ser[2].

Hodós, segundo filólogos, cuja raiz é sed, que significa ir, andar, dar passos e está no verbo latino cedo, cessi, cessum, cedere (*ce-sedo), sugere um modo de ir para frente – não a modo de uma marcha, de um movimento retilíneo, onde a distância mais curta e mais rápida entre dois pontos é a reta –, mas de um fio d’água, que serpenteia, vai tateando a configuração dos acidentes da paisagem por onde passa, hesita, avança, recua, cede, tenta de novo, numa ginga, num balanço, do requebro serpentina de uma senda, de uma trilha. É a maneira de uma fonte, cujo modo de ser é circular, pleno e cada vez todo, num crescente aumentar em círculos concêntricos, ao encontrar resistências, cede para avançar, e começa a tomar forma de fios d’água que serpenteiam em diferentes curvas e retas, abeirado, abordando, identificando-se com a paisagem e a irrigando. Esse modo de caminhar, de ir, em vez de rasgar a paisagem, fazendo a desaparecer ou dominando-a e a forçando a alinhar suas curvas ao poder da reta do mais rápido e do mais curto movimento do progresso, fazendo aparecer a seta da força como highway automotora, se retrai para o sub-solo, para a profundidade da paisagem, como que unida à ambiência, à tonância, ao elemento da fonte e do seu abismo inesgotável e insondável que é a condição da possibilidade ou melhor é a possibilidade de mil e mil modalidades de ir, de caminhos e suas paisagens, a parecendo, se é que aparece, como o modo de ir do fio d’água, das trilhas e sendas de um cerrado.

Esse modo de caminhar, em tateando cada vez o modo do caminhar e do seu constituir-se caminho, é o que está dito na conotação do seguir, segundo ou seguindo, indo atrás de, depois de, tomando rumo a, em busca de. Assim, resumindo tudo o que dissemos, o método fenomenológico é o caminhar e se encaminhar, enquanto possibilidade, de toda e qualquer caminho como realidade, inclusive também da auto-estrada. Assim, se no encontro 2, dissemos que os saberes com que estamos familializados seguindo as ciências e os estudos que cultivamos, ou como amadores, iniciantes ou já especializados, são caminhos, métodos a modo de flechas, objetivos (jectados, lançados para frente) e progressivos, então, em todos esses caminhos da flecha de excelência e competência retilínea pode estar pulsando ainda a recordação, – embora sofrendo ao mesmo tempo de alta e baixa pressão cardíaca, – do modo de ser da sua origem enquanto ciência. Uma vez tornadas estradas largas, eficientes, excelentes e poderosas no empuxo progressivo de tudo reduzir à mais veloz, à mais imediata e à mais econômica e facilitada eficiência retilínea e unidimensional da produção e sua produtividade, as ciências do saber retilíneo, esquecidas inteiramente da sua origem, desprezem talvez o methodós dela como estradas cheias de curvas e desvios inúteis, retrógrados, dispersivos e subjetivos (contrários do objetivos). Mas talvez sintamos hoje nós, ciências retilíneas, inclusive as fenomenologias reais exotéricas, que estamos perdendo a irrigação de fundo, que estamos ficando cada vez mais formais e claros e distintos na logicidade do sistema retilíneo de exatidão matemática, mas vagos, simplistas, corretos e retos, bitolados em infindas classificações padronizadas, no método do andar, como de quem “engoliu um cabo de vassoura” do sistema de limpeza “urbana” da realização da objetividade científico-cultural, na qual tudo que não se alinha a highway da objetivação, ou é subjetivismo racionalista ou racionalizações e irracionalidades subjetivas. Se highway se olhasse com detalhes no seu traçado-flecha, potente e geral, percebesse talvez que a sua largura se compõe de milhões e milhões de finérrimas linhas esticadas, formando uma superfície hirsuta repuxada para frente, sem rugas, lisas. No dia em que se afrouxar o poder da reta do repuxo da interpelação produtiva todos esses sulcos repuxados se enrolarão em pequenos espirais e serpentinas, recordando-nos que todo o caminho da existência não é reta de pro-gresso infinito, portanto não é o círculo assintótico, infinito, indeterminado, sem limites esticado como linha reta, mas cada vez o circulo espirado no surgir, crescer e consumar na finitude concreta, grata e cordial de um caminhar nas sendas perdidas. É mais ou menos nesse sentido que ao falar do método na fenomenologia se citou o texto de Heidegger:

  1. Caminho e balança: Caminho como caminhar acima explicitado é balança, é embalo, a partir e dentro do aconchego do berço, donde se ergue uma senda, tateante, no cuidado e na disposição cordial de abrir-se como caminho do destinar-se de uma existência. O serpentear da senda é como a fala da origem, a primeira fala criativa, na qual vem a si e à luz a possibilidade de ser como o mundo em eclosão: Senda e saga. Esse modo de balançar-se e se esgueirar pelos sulcos dos trilhos, o aviar-se como sendeiro é a fala do início, a saga, o abrir-se criativo da existência humana como linguagem, que antes de ser meio de comunicação e expressão do sujeito, é a aberta e o ponto de salto da eclosão e floração do mundo. Todo esse surgir, encetar, principiar e destinar-se, essa dinâmica do movimento da fonte, é passo, o encontro, o achar-se no balouço do caminho, o andar (Gang). Esse andar, o passo é imperativo, vai e porta, o apanágio humano de ter que ser como mundo na jovialidade da responsabilidade de ser, de ser sempre de novo a possibilidade, disposta, cordial, grata de ser, prenhe, na gestação (trage = porta, carrega) do conceber, guardar e cuidar, gerar, crescer e consumar-se. Falha e pergunta: esse passo, o se encaminhar na gestação do mundo deve se tornar prenhe, gestante de falha e pergunta, a saber, um esgueirar-se ao longo do movimento serpentina da senda da existência na busca errante, na investigação operosa através das trilhas do cerrado que em alemão se diga talvez Feldsweg, caminho do campo.

[1] Em certas psicologias, identifica-se o ser possuído por inspiração na arte ou êxtase na experiência religiosa simplesmente com essa participation mystique (talvez por causa da palavra mystique). Na fenomenologia tenta-se distinguir esta e aquela como fenômenos bem distintos.
[2] Não confundir sentido do ser da fenomenologia com significado da palavra ou do conceito ser. É que, na língua alemã sentido é Sinn. Sinn vem do verbo sinnen. Uma das formas antigas do sinnen é sinnan e significa viajar, aviar-se, portanto, caminhar, caminho, hodós.
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