Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Estudar filosofia, um nada!?

22/04/2021

 

Hermógenes Harada

Resumo: No início do curso superior da filosofia, todos que iniciamos o estudo experimentamos ansiedade, receio, dúvida, enfim, inquietações e interrogações que precedem o começo de quaisquer empreendimentos de porte maior. No entanto, para além ou aquém desse tipo usual e geral de inquietações e temores, surgem na disciplina do ensino e aprendizagem da filosofia dúvidas e inquietações todo-próprias acerca do próprio ser da filosofia, que poderíamos chamar de estranheza do saber chamado filosofia. Esse estranhamento pela coisa ela mesma da Filosofia está no início do estudo, aumenta na medida em que nos adentramos cada vez mais no país da filosofia, e nos faz perder o caminho para dentro do desconhecido intransitado, cuja paisagem do fundo nos evoca uma afinidade que sabe à disposição para e por fecunda jovialidade do ser do nada. A seguinte reflexão, num modo de se aviar assaz desajeitado e inexperiente, tenta ensaiar alguns passos inseguros nas trilhas dessa paisagem.

Introdução

A referência da interrogação do título é ambígua. Diz respeito ao estudar? À filosofia? E/ou ao estudar filosofia?

Ambigüidade no começo de um curso superior não é bem vinda. Ela é tida, ora como titubeio, indecisão, dúvida, insegurança, ora como astenia, falta de ânimo intrépido. Essa constatação, porém, nada diz, se não se mostra em que consiste o objeto da inquietação expressa nesses termos. Ele é múltiplo. Mas, geralmente na prática, se pensa no que se pode resumir mais ou menos na pergunta: o que faço com esse tipo de conhecimento, com sua graduação, seu diploma, na e para a realização do projeto da vida, individual, social, pública, que busco para o futuro?

Quem assim aborda o começo dos seus estudos superiores já está bastante motivado no seu projeto de vida, sabe o que quer ser na vida, e por isso, escolheu esta determinada disciplina científica como meio para alcançar o objetivo, colocado como projeto do seu futuro.

Nas disciplinas que não são Filosofia, a inquietação presente nos termos acima mencionados, expressando a preocupação inerente ao começo de todo e qualquer curso, em relação à matéria disciplinar, não se refere em primeiro lugar nem principalmente à validade da disciplina e à sua utilidade, à sua cientificidade e positividade, mas sim à condição da possibilidade subjetiva da consecução, da realização do objetivo do seu projeto da vida futura.

A interrogação do título desse pequeno artigo se coloca na situação, vivida por quem quer estudar uma disciplina científico-acadêmica no nível de graduação e pós-graduação, dentro da perspectiva do objetivo de um projeto de vida. Mas a interrogação que expressa insegurança e o receio no começo de um curso universitário, acima relacionados à condição da possibilidade subjetiva da realização do objetivo do seu projeto da vida futura, é algo comum e geral a quaisquer iniciativas e empreendimentos da vida humana. Como tal, não é propriamente do interesse desse artigo que quer se concentrar especificamente no estudo da filosofia.

Diferentemente das outras disciplinas universitárias das ciências positivas, aqui no estudo da Filosofia, situado dentro da ambigüidade geral da inquietação inicial de todo e qualquer estudo superior, surge e se intensifica uma implicância estranha que vem da própria Filosofia, cuja manha somente aparece depois de se ter andado um bom trecho. É que, na Filosofia, interrogação, titubeio, indecisão, dúvida e insegurança, em suma, o sentimento da ambigüidade atinge a própria Filosofia, enquanto disciplina, na sua estranheza.

No estudo da Filosofia, começa-se com estranheza da disciplina. Estranheza aumenta na medida em que com ela nos familiarizamos; e se consuma num estranho nada. Nada saber, nada poder, nada ser. Daí a exclamação da interrogação: Estudar filosofia, um nada!?

I – Filosofia, uma estranha “disciplina”

Por que chamamos a matéria de um saber científico, no ensino e na aprendizagem, de disciplina? A resposta parece óbvia: é porque o ensino e a aprendizagem de um saber científico exigem e pressupõem empenho e desempenho bem disciplinados. A aquisição do saber científico é um trabalho, bem organizado, positivo e construtivo, de um todo sistemático, coerente e fundamentado numa exatidão lógica, altamente racional. Trata-se pois, de impostação humana afinada à objetividade da certeza e controle. Essa imposição da objetividade da certeza coordena, comanda a praxe do ensino e da aprendizagem; e se chama disciplina. O oposto da disciplina é a indisciplina, desordem, anarquia, o acaso, subjetivismo, o irracionalismo, o contraditório, a alógica, a assistemática.

Mas todas essas significações já fixadas da disciplina e do seu oposto já são derivações defasadas do sentido simples, uno e imediato, mais próximo da origem da palavra disciplina que diz propriamente: a dinâmica, o élan do aprender.

É que a palavra disciplina vem do verbo latino discere (disco, didici, discitum, discere). Discere significa aprender, saber, estudar; conhecer, tomar conhecimento, se informar.

Assim colocada, a disciplina filosófica não tem nada de estranho. Estranho, porém, é não estranharmos essa maneira de considerar a Filosofia como uma disciplina do aprender, saber, estudar, conhecer, tomar conhecimento, se informar da impostação humana afinada à objetividade. É que a Filosofia é uma das atividades humanas, que juntamente com a arte e a religião, possuem a maior implicação e implicância com a criatividade e a liberdade humana. Assim, o seu ensino, a sua aprendizagem, a maneira de se estruturar e se constituir em conjunto de conhecimentos possuem o seu caminho e o seu modo de ser todo próprio. Podemos, por conseguinte, supor que a sua disciplina, i. é, a dinâmica, o élan do aprender possui características todo especiais. Com outras palavras, o verbo discere na disciplina chamada filosofia se nos apresenta como ação, cujo modo de ser deve ser observado com precisão. Com outras palavras, o ser ativo, estudioso, inteligente, empenhado e competente na disciplina Filosofia tem razões que a efetividade e afetividade da racionalidade, da objetividade e do seu oposto, da subjetividade desconhecem2.

1. Aprender na filosofia é ativo, passivo, reflexivo?

Seja em que língua for, na compreensão do modo de ser dos verbos, é de grande importância observar o significado das modalidades das suas vozes.

Segundo o Aurélio, num verbo, voz significa gramaticalmente: “Aspecto ou forma com que um verbo indica a ação como praticada pelo sujeito (voz ativa), ou por ele recebida (voz passiva), ou simultaneamente praticada e recebida por ele (voz reflexa ou média)”. Sem entrar em detalhes especializados na sintaxe gramatical dessas vozes, observemos o seguinte: a classificação das ações humanas em ativas, passivas e reflexivas pressupõe a compreensão da ação humana dentro do esquema: homem, como sujeito e agente da ação, tendo como o término da intenção da ação, o objeto. Usualmente a respeito das ações humanas, delas, como já foi acima mencionado, distinguimos a fonte donde e onde se dá a ação, a saber, o sujeito. O homem é sujeito e agente das ações humanas. Como tais as ações humanas se realizam ora como ações ativas (= o sujeito agente atua sobre); como ações passivas (= o sujeito sofre a atuação de outro sujeito sobre ele); e…, também como ações reflexivas. O adjetivo re-flexivo significa que na ação ativa do sujeito, se dá reviravolta na direção, de tal sorte que a ação ativa que vai sobre um objeto para fora do sujeito, se vira para o próprio sujeito, fazendo-o objeto da própria ação ativa, sofrendo-a. É como se o sujeito fosse atingido pela ação ativa de outro sujeito, portanto, se tornasse sujeito da ação passiva. Só que a ação ativa da qual se torna receptor, provém do próprio sujeito, enquanto agente da sua ação ativa. É o que diz o Aurélio: a voz reflexiva é ação simultaneamente praticada e recebida por sujeito. Só que aqui, o advérbio simultaneamente recebe uma acepção inexata, pois não é possível que ao mesmo tempo se dêem ação ativa e passiva no sentido preciso e rigoroso em igual tempo, pois há sempre uma prioridade temporal da ação ativa sobre a ação passiva. Isto significa que na divisão das ações humanas em ativa, passiva e reflexiva, a ação humana é considerada preferencialmente a partir da ação ativa, da atuação. A dinâmica verdadeira é a atuação, é representada pela ação ativa.

Outra classificação da ação do verbo é em verbo transitivo e intransitivo. No transitivo a atuação da ação do sujeito transita, passa para o objeto, in-flui na coisa do objeto, mas propriamente não retorna ao sujeito. No intransitivo, a atuação da ação não transita do sujeito ao objeto, mas permanece, fica no sujeito e agente da ação. Por isso, no verbo intransitivo não encontramos objeto. Aparentemente, o que na classificação anterior denominamos de reflexivo seria um variante do intransitivo e que designamos também como sendo uma atuação reduplicativa. A atuação da ação sai do sujeito para o objeto, mas retorna ao ou sobre o sujeito, se reduplicando. É o que é expresso no verbo se perfazer. No entanto, se bem observarmos, considerar sem mais a atuação intransitiva com a reduplicativa ou reflexiva pode nos induzir a imprecisão, a saber, a de equiparar a classificação da atuação da ação do verbo em voz ativa, passiva, reflexiva à do verbo transitivo e intransitivo. Essa equiparação é possibilitada por uma pressuposição ou pré-conceito tacitamente admitido em geral de que a atuação excelente e propriamente dita da ação é a voz ativa; e que a passiva é uma não ação. A classificação do verbo em transitivo e intransitivo – e este como variante do reflexivo no sentido do reduplicativo – conserva em si ainda de algum modo no intransitivo o que é insinuado na assim chamada voz medial.

Depois dessa observação acerca da classificação da atuação da ação do verbo, lancemos a modo de “chutação”, aqui assinalada com empáfia como hipótese especulativa, a seguinte colocação:

Voz média não significa propriamente voz que fica entre ativa e passiva, digamos, assim meio a meio, mas referente ao “médium”. Daí medial. Médium aqui é latim e significa: permeio, ambiência, o modo de ser que dá o todo na sua concreção de pregnância, a entonação, a tonalidade, o colorido. Outra insinuação do médium é humor, atmosfera, sabor no uso da expressão “este pão sabe a panetone”. É o quê ou o como, dito na palavra presença. É a ência do pré. O termo pré indica antecedência. Ência, vigência, essência, ser. Vejamos de alguma forma a dinâmica da estruturação do ser dessa antecedência. Tentemos, pois, atentar essa transcendência imanente, o a priori que é, em tudo e a tudo que é e não é; que se torna e deixa de ser, em sendo, cada vez a seu modo ente e não ente em concreção, em crescimento coincidente, cada vez diferente na auto-identidade da sua dia-ferênia.

A nossa reflexão hipotética se limita apenas a dizer que o próprio do empenho e desempenho do estudo da Filosofia é, para quem ensina e quem aprende, adentrar a disciplina, i. é, o élan da dinâmica do mover-se na ação medial.

2. Parábola e seu plágio

Para de alguma forma poder dizer isso, recorramos a um trecho da conferência, intitulada Supervisão e orientação na área dos meios pictóricos e sua ordenação espacial4 de Paul Klee, quando ele fala desse “tipo” de “coisa”, ilustrando-o com a imagem de uma árvore. Essa ilustração de Klee é uma parábola. Pará bola é uma palavra lançada a alguém, um projétil que lhe passa bem a lente, quase o atingindo por um triz, no seu âmago, acordando-o para o que lhe subjazia oculto como seu ser. O comentário que aqui segue depois do texto citado de Klee é plágio. Plágio é uma cópia mal feita da parábola bem dita que atinge e cordializa o essencial da causa da comunicação, i. é, da linguagem. Por ser cópia mal feita, não possui a força da chamada da pro-vocação vital, e assim se esvai em blá-blá formal. É nesse sentido que se diz: não diz coisa com coisa.

Antes, porém, de citar o trecho de Klee, como introdução ao que segue, apenas ouçamos o que o poeta pensador alemão, do século XVIII, Johann Peter Hebel5 diz acerca do ser humano, do que é o seu próprio, a saber, da existência:

3. Parábola

“Nós somos plantas, que – o possamos gostar ou não de confessar – devemos subir, da terra, com as raízes, para poder florescer no éter e trazer frutos”.

Diz Klee:

Deixai que use uma comparação, a comparação da árvore. O artista se ocupou com esse mundo de multifária configuração e se arranjo, – é o que queremos supor – bem de certa maneira ali dentro, de todo, silenciosamente.

Ele ali está tão bem orientado que pode ordenar a fuga dos fenômenos e das experiências. A essa orientação nas coisas da natureza e da vida, a essa ordenação cifrada em enigmas múltiplos e ramificados eu gostaria de comparar à raiz da árvore.

Daí fluem ao artista as seivas para irem, através dele e através do seu olho. Assim, o artista está no lugar do tronco.

Pressionado e movido pela força daquele fluxo, ele conduz adiante o intuído para dentro da obra.

Como a copa da árvore, visivelmente se desdobra temporal e espacialmente para todos os lados, assim acontece também com a obra.

A ninguém há de ocorrer idéia de exigir da árvore que ela forme a copa exatamente como a raiz. Todo mundo há de compreender que não pode haver nenhum espelhamento reflexo exato entre em baixo e em cima. É claro que as diferentes funções em diferentes dimensões elementares devem temporalizar vivas declinações diferenciais.

Entrementes, no entanto, quer se vetar justamente ao artista essas pictoricamente já necessárias declinações que se afastam dos protótipos. Foi-se tão longe no zelo, a ponto de acusar o artista de impotência e de falsificação intencionada.

E ele, no entanto, no lugar a ele indicado junto do tronco não faz outra coisa do que recolher o que vem da profundeza e conduzi-lo adiante. Nem servir, nem dominar, apenas mediar.

Ele, pois, ocupa uma posição modesta, verdadeiramente. E ele mesmo não é a beleza da copa, ela só passou através dele. (…)

Gostaria, agora, de considerar a dimensão do objeto num novo sentido para si e ali tentar mostrar como o artista vem muitas vezes a uma tal deformação aparentemente arbitrária da forma natural do aparecer.

Por sua vez, ele não dá a essas formas naturais do aparecer a importância obrigatória como o fazem os muitos realistas que exercem crítica. Ele não se sente tão ligado a essas realidades, porque ele não vê nessas formas terminais a essência do processo natural da criação. Pois para ele há mais interesse nas forças que formam do que nas formas terminais. Sem o querer, seja ele talvez, justamente, filósofo. E se não faz como os otimistas que explicam este mundo como de todos os mundos, o melhor e se também não quer dizer que esse nosso mundo circundante seja ruim demais para tomá-lo por exemplo, diz ele, no entanto assim:

O mundo, nessa sua configuração formada, não é o único de todos os mundos!

Assim, o artista olha as coisas que a natureza formou e lhe faz desfilar diante dos seus olhos com mirada penetrante.

Quanto mais profundamente mira, tanto mais facilmente ele consegue distender os pontos de vista, de hoje para ontem. Tanto mais lhe impregna no lugar de uma figura pronta da natureza, a figura somente ela essencial da criação como a gênese.

Então, se permite também o pensamento de que a criação hoje mal poderia estar concluída, e com isso, estende aquela ação criativa do mundo, de trás para frente, dando duração à gênese.

Ele avança ainda mais.

Diz para si, ficando desse lado: Esse mundo apareceu diferente e ele há de aparecer diferente.

Tendendo para além, porém, pensa: Nas outras estrelas se pode ter vindo, de novo, a formas de todo diferentes.

Tal mobilidade nos caminhos naturais da criação é uma boa escola de formas.

Ela consegue mover a quem cria, do seu fundo, e ele mesmo já móvel, há de cuidar da liberdade do desenvolvimento para seus próprios caminhos de configuração.

A partir dessa impostação a gente deve ter como a seu favor, quando o artista esclarece o presente estágio do mundo do fenômeno que lhe diz respeito, como casualmente bloqueado, bloqueado temporal e localmente. Como demasiadamente delimitado em contraposição ao intuído profundamente e sentido vivamente por ele.

E não é verdade que, já o relativamente pequeno passo do olhar através do microscópio faz desfilar diante dos olhos figuras, que nós todos haveríamos de declarar como fantásticas e exacerbadas, se, sem pegar o pivô da coisa, as víssemos de todo por acaso em algum lugar?

Senhor X, porém, ao dar de cara com uma cópia de tal figura, haveria, numa revista sensacional, de clamar indignado: isto seriam formas naturais? Isto é, sim, o pior dos comércios de arte!

Portanto, o artista, pois, se ocupa com microscópio? História? Paleontologia?

Apenas a modo de comparação, apenas no sentido da mobilidade. E não no sentido da possibilidade de um domínio do controle científico da fidelidade à natureza!

Apenas no sentido da liberdade!

No sentido de uma liberdade que não conduz a determinadas fases de desenvolvimento, que uma vez na natureza foram assim exatamente ou hão de ser ou que em outras estrelas (um dia talvez uma vez constatáveis) poderiam ser justamente assim, mas no sentido de uma liberdade, que apenas exige o seu direito de ser igualmente assim móvel, como o é a grande natureza.

Do exemplar para o arquétipo!

Arrogante seria o artista que aqui, logo fica metido em algum canto. Chamados, porém, são os artistas que hoje penetram até a uma certa proximidade daquele fundo misterioso, onde a lei originária alimenta os desenvolvimentos.

Lá, onde o órgão central de toda a mobilidade espaço-temporal, chame-se ele cérebro ou coração da criação, ocasiona todas as funções. Quem como artista não gostaria de morar lá?

No seio da natureza, no fundo da origem da criação, onde a chave do mistério para tudo jaz guardada?

Mas não todos devem para lá! Cada qual deve-se mover ali, aonde a batida do seu coração acena.

Assim no seu tempo, nossos antípodas de ontem, os impressionistas tinham plena razão, em morar junto dos rebentos da raiz, junto do cerrado-chão dos fenômenos cotidianos. O pulsar do nosso coração, no entanto, nos empurra para baixo, profundamente para baixo, para o fundo abissal.

O que então cresce do impulso desse fundo, chame-se ele como quiser, sonho, idéia, fantasia é de todo para se tomar a sério, se ele se liga sem reserva à configuração com os meios pictóricos adequados.

Então, aquelas coisas curiosas tornam-se realidades, realidades da arte, que levam a vida um tanto mais adiante do que parece medianamente. Porque elas não reproduzem só o visto, mais ou menos de modo bem temperamental, mas fazem visível o intuído na intimidade oculta (geheim).

II – Filosofar é ser medial

Filosofia é filosofar. Filosofar é ser. Ser é medial.

A seguir, tentemos a modo de plágio, comentar o texto-parábola de Klee. E isto com a expectativa de que se estabeleça de algum modo a seqüência acima formulada, explicando a atuação da ação do verbo na voz medial.

1. Sujeito-ato-objeto na existência artística

O mundo da arte é comparado ao mundo natural, da árvore. O mundo da arte se constitui de artista, de sua ação criativa e de produtos dessa ação, de obras ou objetos artísticos e de tudo quanto se refere a eles. A relação entre os elementos constitutivos do mundo da arte se estrutura no esquema sujeito-ato-objeto. Em Klee esses elementos, na comparação, se dão da seguinte maneira: o artista; este se ocupa e se arranja; com o mundo de multifária configuração. E ali, no mundo de multifária configuração, o artista está bem orientado e ordena a fuga dos fenômenos e das experiências. Essa orientação nas coisas da natureza e da vida, essa ordenação cifrada em enigmas múltiplos e ramificados Klee compara à raiz da árvore.

a) Sujeito

Na maneira corriqueira de usar o esquema acima mencionado sujeito-ato-objeto, o que aqui Klee compara à raiz da árvore, a saber, orientação e ordenação, é colocado dentro do sujeito, na sua mente, como atos que classificam e ordenam os objetos ali ocorrentes diante e ao redor do sujeito-homem. Essa colocação considera no fundo o próprio sujeito homem como raiz e passa por cima do que Klee acentua com insistência: que o artista é tronco, ele é apenas passagem. Klee não fala nem do sujeito nem das suas ações. Fala do artista. O artista, de todo e em concreto, é o ente cujo ser é existência. Aqui, ser é responsabilidade por e para ser cada vez, na absoluta liberdade de ter que ser como mundo: artista é ab-soluta ocupação, a soltura livre por e para a prenhez de cuidado da con-creção e con-creação como mundo de multifária configuração; e se perfaz na in-sistência dessa ação. Ali se dá a realização da realidade arte: o artista se ocupa e se arranja, se justifica, torna-se real a partir e dentro da possibilidade denominada arte: está em casa, está adentrado no âmago, no imo da vigência, no todo da possibilidade de ser: é ser-no-mundo.

Essa pré-sença antecedente não antecede nem sucede, mas qual discreta diligência retraída entoa, compenetrada num silêncio claro, tudo que é e não é, tudo que antecede e sucede. Assim, de antemão, a priori, sem antecedência e sem sequência se dá um quê todo próprio, que penetra, impregna, recolhe e dá volume, consistência, densidade ao todo da possibilidade de ser, e faz ver tudo a partir e dentro, sob o esplendor, i. é, subspécie, do ser arte. Em vez desse modo enrolado e indiferenciado de dizer, Klee fala com cuidado e discrição de orientação nas coisas da natureza e da vida. Essa orientação que ele compara à raiz da árvore aparece como ordenação, cifrada em enigmas múltiplos e ramificados. Dessa orientação, dessa raiz fluem ao artista as seivas para irem, através dele e através do seu olho. (…) Pressionado e movido pela força daquele fluxo, ele conduz adiante o intuído para dentro da obra. É nesse processo da gênese da obra que Klee coloca o artista como passagem, na tarefa de ser passagem: Assim, o artista está no lugar do tronco.

Por conseguinte, o artista não é nem sujeito, nem agente da obra. E ele, no entanto, no lugar a ele indicado junto do tronco, não faz outra coisa do que recolher o que vem da profundeza e conduzi-lo adiante. Nem servir, nem dominar, apenas mediar.

Ele, pois, ocupa uma posição modesta, verdadeiramente. E ele mesmo não é a beleza da copa, esta só passou através dele.

Trata-se, pois, da mediação, do modo de ser do médium, da ação medial. Mediação, o perfazer-se na e como mediação, ser médium do permeio não é ao modo da atuação ativa, passiva, reflexiva, não é nem objetiva nem subjetiva, é apenas surgir, crescer e consumar-se como obra. É o nada silencioso e retraído, sempre cuidadoso e diligente, onipresente em todos os momentos da gênese da obra de arte, em se tornando, em sendo, cada vez novo e de novo. E o mundo da obra que surge, é como a copa da árvore: visivelmente se desdobra temporal e espacialmente para todos os lados. (…) Todo o mundo há de compreender que não pode haver nenhum espelhamento reflexo exato entre em baixo e em cima. É claro que as diferentes funções em diferentes dimensões elementares devem temporalizar vivas declinações diferenciais.

São a orientação, a fonte, a raiz de onde fluem inspiração e toques da atuação medial da ação de mediar, que ordenam as diferentes funções em diferentes dimensões elementares e que devem temporalizar vivas declinações diferenciais nas obras; por sua vez atuam cifrados em enigmas múltiplos e ramificados, constituindo a “lógica” da arte na sua criatividade.

Resumindo o que Klee nos disse até agora, temos o seguinte:

orientação (na raiz das raízes) → ordenação (raízes) → abre-se em: inspirações e toques da ordenação, codificados em enigmas múltiplos e ramificados

{ ∞ o artista (tronco): mediação, passagem, atuação da ação medial ∞ }

o mundo das obras de Arte, de multifária configuração na fuga dos fenômenos e das experiências da existência artística (a copa, os galhos).

b) Objeto:

Para nós, hodiernos, as obras da ação criativo-medial da mediação artística são consideradas como efeitos, causados pelo homem-sujeito, i. é, sub-stância de sustentabilidade e agenciamento da produtividade estética. Assim, obras são o conjunto de objetos, de diversos tipos, mas todos referidos à interpelação produtiva do agenciamento desse sistema objetivo da estética.

O mundo das obras de arte, de multifária configuração na fuga dos fenômenos e das experiências artísticas, orientado e ordenado pela atuação da ação medial da artista-mediação não é objeto. Não são soma de objetos do sistema, mas estruturações concretas de eclosões, crescimentos e consumações da possibilidade de ser na natureza e vida. São, antes, diferentes funções da dinâmica de ordenação sob o toque da orientação proveniente das profundezas da possibilidade de ser, que temporalizam e se fazem visíveis em diferentes dimensões elementares, como vivas declinações diferenciais. A linguagem, i. é, o modo de vir a si, o tornar-se, o destinar-se no tempo e no espaço, portanto, a epocalidade dessa estruturação é o mundo e sua mundidade. Assim, mundidade não pode ser compreendida plenamente na lógica da objetividade, correlativamente também não na da subjetividade.

Assim, na sua Confissão criativa7, diz Klee: Arte não reproduz o visível, mas faz visível.

Mas faz visível o que?

Ao considerar a dimensão do objeto num novo sentido para si, a saber, como mundo, e ao nos convidar a ver a obra de arte, não como esse e aquele objeto ali ocorrente, mas como forma terminal de todo um movimento da vigência e da dinâmica de formação criativa, enquanto realização da realidade inesgotável da possibilidade da arte, Klee responde a essa pergunta: Arte faz visível a existência artística como trilha do retorno à origem da força formativa do mundo das estruturações artísticas. Nesse sentido, no interesse da existência artística, o artista não dá a essas formas naturais do aparecer a importância obrigatória como o fazem os muitos realistas que exercem crítica. Ele não se sente tão ligado a essas realidades, porque ele não vê nessas formas terminais a essência do processo natural da criação. Pois para ele há mais interesse nas forças que formam do que nas formas terminais.

(…) Assim sendo, o mundo, nessa sua configuração formada, não é o único de todos os mundos! A mira da aberta na existência artística quanto mais profundamente ela mira, tanto mais facilmente consegue distender os pontos de vista, de hoje ali ocorrente para ontem, para a estruturação da origem, tanto mais, em vez de ficar parada no lugar de uma figura pronta da natureza e/ou da vida, impregna as configurações das formas terminais com a vigência da força abissal da possibilidade, “nadificando”-as com a plenitude da entificação finita, em cuja possibilidade onipresente reflui, aliás, como forma sem forma, somente ela essencial da criação como o gênese, crescimento e consumação.

Essa mira, a visão translúcida, situada no mundo das formas terminais, vai por assim dizer atravessando camadas de formas terminadas, fixadas como pressuposições, classificações e padronizações do que se fez na e da natureza, do que se fez na e da vida; vai subindo e adentrando a modo de contracorrente o fluxo da força formadora, em retorno ao toque inicial da origem e agiliza a prontidão da aberta do ex-sistir artístico numa mobilidade cada vez mais disposta, generosa e livre. Essa mobilidade livre consegue mover a quem cria a vitalidade da contenção a partir do seu fundo; e ele mesmo, uma vez vitalizado e já móvel, há de cuidar da liberdade do desenvolvimento para seus próprios caminhos de configuração, seguindo os ductos da ordenação e da orientação que vem da raiz, cuja origem é abismo insondável e inesgotável da possibilidade de ser.

Portanto, se o artista, enquanto ex-sistência artística, é tronco que é passagem, não faz outra coisa do que recolher o que vem do abismo da profundeza e o conduz adiante; se ele nem serve, nem domina, mas apenas media; se ele, verdadeiramente, pois, ocupa uma posição modesta de ser medial; e assim, se ele mesmo não é a beleza da copa, que só passa através dele; então, nesse nada de função medianeira, ele apenas deixa ser a orientação (raiz das raízes) que conduz a ordenação (raízes); esta por sua vez se abre em inspirações e toques da ordenação, codificados em enigmas múltiplos e ramificados; e deixa eclodir o mundo das obras de arte, de multifária configuração na fuga dos fenômenos e das experiências da existência artística (a copa, os galhos). Ora, se é assim, então esse movimento, essa mobilidade, representada estaticamente como sequência ocorrente de fundamentos, a modo de causa e efeito, a modo metafísico não é compreendida adequadamente. A terra na qual se assenta a raiz se adentrando nela é considerada como um ente absoluto, imutável, perene, um Ser, que causa e dá o fundamento absoluto a outros entes, representados na comparação como partes componentes da árvore como: raiz das raízes, raízes, tronco, galhos principais, galhada, folhagem e flores e frutos, portanto, como a copa. E tudo isso, numa hierarquia de causas e fundamentos como camadas de entidade fixa em diferentes níveis de excelência do ser. A comparação da árvore, se a olharmos externamente como partes de um todo, pode nos induzir a essa maneira defasada de entender a comparação de Klee. Ao passo que a precisão, a simplicidade certeira da sua exposição concreta da estruturação da origem da e na existência artística, da e na obra de arte, nos apresenta a conjuntura da dinâmica de estruturação, na qual todos os elementos se referem à origem, i. é, ao toque do abismo insondável e inesgotável da possibilidade de ser, em multifárias funções do mesmo, na mobilidade e na liberdade da soltura absoluta da e na vigência da criatividade.

Tudo isso quer dizer: o artista, cujo ser é existência artística, com diligente preocupação, cuida de tudo, tudo se lhe torna função e referência da busca da criatividade, de tal modo de tudo que se pergunta: o artista, pois, se ocupa com microscópio? História? Paleontologia? Química? Psicologia, Sociologia etc., etc. ?

Responde Klee: apenas a modo de comparação, apenas no sentido da mobilidade. E não no sentido da possibilidade de um domínio do controle científico da fidelidade à natureza, portanto, da objetividade. Mas então, essencialmente, radicalmente, em que modo, em que sentido?

Apenas no sentido da liberdade! No sentido de uma liberdade, que não conduz a determinadas fases de desenvolvimento, que uma vez na natureza foram assim exatamente ou hão de ser ou que em outras estrelas (um dia talvez uma vez constatáveis) poderiam ser justamente assim, mas no sentido de uma liberdade, que apenas exige o seu direito de ser igualmente assim móvel, como o é a grande natureza.

Do exemplar para o arquétipo!

Arrogante seria o artista que aqui, logo fica metido em algum canto. Chamados, porém, são os artistas que hoje penetram até certa proximidade daquele fundo misterioso, onde a lei originária alimenta os desenvolvimentos.

Lá, onde o órgão central de toda a mobilidade espaço-temporal, chame-se ele cérebro ou coração da criação, ocasiona todas as funções. Quem como artista não gostaria de morar lá?

No seio da natureza, no fundo da origem da criação, onde a chave do mistério para tudo jaz guardada?

Mas, não todos devem para lá! Cada qual deve-se mover ali, aonde a batida do seu coração acena.

Assim no seu tempo, nossos antípodas de ontem, os impressionistas tinham plena razão, em morar junto dos rebentos da raiz, junto do cerrado-chão dos fenômenos cotidianos. O pulsar do nosso coração, no entanto, nos empurra para baixo, profundamente para baixo, para o fundo abissal.

O que então cresce do impulso desse fundo, chame-se ele como quiser, sonho, idéia, fantasia é de todo para se tomar a sério, se ele se liga sem reserva à configuração com os meios pictóricos adequados.

Então, aquelas coisas curiosas tornam-se realidades, realidades da arte, que levam a vida um tanto mais adiante do que parece medianamente. Porque elas não reproduzem só o visto, mais ou menos de modo bem temperamental, mas fazem visível o intuído na intimidade oculta, na qual sempre já estamos e sempre de novo vamos estar como em casa (Geheim).

2. Mas de que estamos falando? Da arte ou da filosofia?

Sem dúvida alguma, da filosofia. Estamos perguntando, a atuação da ação chamada Filosofia, seu ensino e sua busca, a dinâmica do trabalho, do empenho e desempenho do aprender a Filosofia, portanto, a disciplina filosófica é a modo medial?

Mas então para quê toda essa fala da arte e da sua gênese? Filosofia não pertence à dimensão racional do homem, à sua mais alta excelência (metafísica) para uns, para outros, à época histórica do passado, mas que serviu para despertar a humanidade da irracionalidade (da superstição, da religião) e nos fez evoluir para a excelência suprema do saber racional, a saber, das ciências modernas? E a arte por sua vez não pertence à dimensão irracional do sentimento, da emoção e intuição do coração, portanto à área da subjetividade, oposta à da objetividade?

A justificativa para ilustrar a estruturação interna do estudo da filosofia através das palavras de Klee, que fala da essência da arte, nós a recebemos do próprio Klee, quando ele ao caracterizar o inter-esse do artista diz: ele não se sente tão ligado a essas realidades, porque ele não vê nessas formas terminais a essência do processo natural da criação. Pois para ele há mais interesse nas forças que formam do que nas formas terminais. Sem o querer, seja ele talvez, justamente, filósofo.

Segundo a afirmação de Klee, o interesse essencial do artista, a saber, o de ir à origem da sua dinâmica criativa, portanto, o retorno ao toque inicial donde atua a força formadora das formas terminais ocorrentes como do mundo já ali constituído da arte seria o mesmo do filósofo: nisso de buscar na origem, na sua gênese o abismo da possibilidade de ser, nisso sem o querer seja ele talvez, justamente, filósofo. Há portanto, entre filosofia e arte uma afinidade de fundo. E talvez possamos acrescentar: e também há a mesma afinidade de fundo com a religião. Isso, admitindo-se como hipótese inicial que entre inúmeras atividades que preocupam a humanidade, há três verbos, i. é, ações, a saber, poetar, pensar e crer, em cujo seio ainda se contém o frêmito de grande saudade e indigência pela plena soltura da absoluta liberdade. Poetar é vigor de origem que vem à fala na arte e quando defasada se instaura como estética; Pensar é vigor da origem que vem à fala na filosofia e quando defasada se instaura como ideologia; e crer é vigor da origem que vem à fala na Fé e quando defasada se instaura como religião. Trata-se de totalidades, de mundos cuja mundidade são diferentes, mas que possuem afinidade de fundo, cuja identidade, não mais pode ser compreendida como generalidade, comunidade, igualdade, significados esses, agenciados nos termos usados como óbvios na estética, na ideologia, e na religião. A sensibilidade pelo sentido do ser de todos esses termos, somente começa a tornar-se busca, questão, quando o ser da arte, o ser da filosofia e o ser da fé, não mais é considerado como uma das atividades entre outras atividades dos nossos afazeres, mas como o destinar-se historial da própria autonomia, como existência. Poetar, pensar e crer, existência artística, existência filosófica e existência crente, sua identidade e diferença é um tema que extrapola a finitude de nosso ensaio, se não o abordarmos com um novo cuidado, discrição e ânimo próprio. Por isso, aqui deixemos apenas mencionada a questão, para nos justificarmos porque citamos um longo texto de Klee para refletir acerca do ser do estudo da filosofia.

III – Um nada?!

Depois de todo esse blá blá que não disse coisa com coisa por ser plágio, enrolados e emaranhados, voltemos ao problema do começo, onde constatamos como fato a seguinte situação: em todo o começo do estudo, principalmente quando se trata de adquirir, dominar e gerenciar o saber superior como um excelente instrumento para uma determinada meta a ser alcançada. Nessa perspectiva, tudo quanto não possui o modo de ser da mira (cf. do fuzil), clara e distinta, exata e certeira é tido por inseguro, duvidoso, defasado, interferência a ser eliminada da busca de objetivo e objetividade na meta. Esse modo de interpelação produtiva cria uma consciência do poder e eficiência, que se faz necessária cada vez mais, na medida em que tal intencionalidade fascina e impregna o agir, julgar e ver no usufruto de tudo transformar, tudo produzir, tudo processar para criar um novo mundo, isento de dor, sofrimento, fraqueza, titubeio, de ambigüidades e incertezas, isento de tudo isso que acena para a diferença de fundo. Toda e qualquer instituição de ensino, aprendizagem e pesquisa, na medida em que não apenas funciona correta-politicamente, seguindo os padrões e as medidas impostas pela publicidade do poder dominante, um dia vai ter que colocar questões que tocam o fundo, a raiz de toda e qualquer posição fundamental das nossas impostações disciplinares das matérias do ensino, aprendizagem e pesquisa do saber, não em referência à excelência e ao valor da medida e do critério que ali operam como óbvios, mas enquanto o sentido do ser do todo que ali se constituiu como mundo estabelecido, a partir da mobilidade e da liberdade de um toque da possibilidade de ser. Repetindo, nesse ânimo da busca de aprofundamento ou do retorno pela origem, pela gênese in-tuitiva, para dentro do abismo insondável da possibilidade de ser, Filosofia e Arte são afins. O artista e o filósofo, no toque do poetar e do pensar, são animais de fundo. Seu existir é conter-se, manter-se, é ser aberta do fundo abissal, suspenso ao e no nada. Esse nada não nadifica, apenas entifica, até mesmo a nadificação. É a imensidão, profundidade, a magnanimidade, livre, solta, generosa, serva e moça, cada vez ali jovial, disposta, apenas disposta, sem nada poder, sem nada querer, sem nada saber, sem nada ser e/ou não ser, a não ser pré-sença. Pré-sença alegre no cuidado finito, recatada e diligente em tudo recolhendo e acolhendo sob a sombra da sua ab-soluta soltura da mobilidade e liberdade da possibilidade agraciante, ou melhor agradecida. Os entes no seu todo, seja o que e como for, nascem, crescem e se realizam através da humanidade, como eclosões do mundo e sua mundidade. E a existência, na fiel sistência no ex; é a grata e agraciada mira da maravilha, do instante da passagem livre da reviravolta do e para a possibilidade de ser e não ser, é a privilegiada filha da liberdade abissal e vivificante do Nada inominável.

Conclusão

Insatisfeitos, concluamos esse plágio, perguntando: o que tem a ver tudo isso com a ambigüidade no começo do estudo da disciplina chamada filosofia e as vozes ativa, passiva, reflexiva ou média ou medial do verbo?

Talvez as inúmeras inquietações encontradas no começo do estudo, i.é, do zelo e empenho do ensino, aprendizagem e pesquisa da Filosofia – para além ou aquém de todas e quaisquer inquietações, apresentadas pelo começo de quaisquer ações em geral de qualquer empreendimento humano –, dirigidas desde o começo ao próprio ser da Filosofia, não tenham algo a ver, ou melhor, tudo a ver com o Nada Inominável que nos visita em todas as vicissitudes da existência, em tudo que é e não é, em tudo que se torna e se consuma, em tudo que prospera e definha, cada vez, sempre, no começo, no meio e no fim, a cada instante como sentido do ser? E assim ao vir de encontro, nos visitando, se retrai e se esconde, nos atraindo sempre de novo para dentro de um permeio, de uma ambiência, re-cordando um sabor, uma entoação, uma afinação de fundo longínquo, nos envolvendo, nos impregnando com a proximidade, com satisfação in-quieta de estar em toda parte, em casa?

Mas e a voz medial?

Não é assim que na medida em que nos enredamos nas inúmeras e variegadas trilhas da Filosofia, começamos a perceber que o que im-porta é ficarmos intrigados cada vez mais e sempre de novo com o verbo ser?9 Pois, seja qual for a interpretação que dermos a esse verbo, seja em que escola e corrente de Filosofia, o ser sopra sob mil e mil tonalidades em todos os verbos do nosso falar, seja na voz ativa, na passiva, na reflexiva. E assim, em suma, ser é a ação de fundo, a ação onipresente em todas as atuações de todas as nossas ações e não ações. Não será por isso que as trilhas da disciplina filosófica, seja qual for o modo de ser de suas sendas, mais cedo ou mais tarde, se perdem na clareira do in-transitado, denominado questão do sentido do ser?

E…, o que os antigos denominavam de medial, que hoje defasado, restou como voz reflexiva do verbo, não seria propriamente o modo da possibilidade de ser que é o modo originário, elementar e primeiro de todas as ações, paixões, recepções e reações reflexivas, portanto, a potência, a possibilidade dada de antemão, a priori, como entoação do Nada, onipresente, retraído no pudor e na continência da plena liberdade da sua jovialidade? Antes de e em todas as possíveis e atuais variantes de entidades, silencioso, modesto e discreto é o nada, antes e depois, dentro e fora do ser e nada, de tudo e nada, em sendo o constante sustento da ocorrência do simplesmente dado, de tal modo simples que se é, antes e sem precisar dizer que ser e pensar é o mesmo. A correspondência da existência filosófica, do empenho e zelo, do estudo da e para a disciplina Filosofia não seria retornar a ser sempre em repetição in-sistente o silêncio do nada, a voz medial, o permeio de todas as coisas, das que são e não são? Ser assim nascituros de todo a cada momento no corre-corre das atividades, atuações, das passividades e depressões, e das suas reações, no afã dos nossos afazeres, e sempre de novo dar reviravolta de retorno para e na disposição da soltura, na liberdade da existência por e para o abismo inesgotável de ser filhos e filhas do Nada, não seria isso o que os bem antigos gregos do início denominavam de Physis; a partir da qual um Heráclito, tiritando de frio no inverno, encostado no forno aquecido da queima do pão, convidou aos visitantes ávidos do infinito na busca do extra ordinário a entrar no recinto do permeio da banal simplicidade que se engraçou com a gratidão da finitude ab-soluta, dizendo: Também aqui, pois, estão os deuses presentes10? E isso porque, como diz de novo Heráclito: A physis ama o retraimento11.

Não é bom, ontem, hoje e amanhã, poder sempre de novo implicar com a pergunta: Estudar filosofia, um nada?

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