Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Da Oração – A oração

03/03/2021

 

Para nós, a vivência usual da oração é quando pedimos a Deus alguma coisa para nós. Quando estamos em apuros, quando necessitamos de ajuda, quando nos sentimos abandonados, perdidos, então, pode brotar espontaneamente do fundo do ser um grito de socorro: a oração. Oração, orar significa: chamar, apelar, clamar. Nesses casos, em que estamos com o coração na mão, em que temos o coração na boca, pela necessidade, pelo medo, pela indigência, não sentimos a dificuldade de rezar. Compreendemos também com facilidade o que é orar.

Significa isso que é a necessidade que faz a oração?

Não gostamos muito dessa afirmação. Pois, dizemos: isso é egoísmo. Isso é degradar a grandeza da oração. Apelar a Deus, orar só quando há necessidade é colocar a Deus ao serviço do homem. Dizemos: a oração é essencialmente louvor, ação de graças, etc.

Se é assim, por quê a estrutura, a instituição me obriga a rezar quando não sentimos a necessidade de orar? Por quê orações comunitárias obrigatórias? Essa pergunta pode ser interessante. Mas, uma outra linha de questão é mais interessante, a saber: por quê só sentimos certos tipos de necessidade? Por quê não sentimos, por exemplo, a necessidade de agradecer quando estamos em apuros, na angústia mortal e Deus se retrai, silencia, deixando-nos na solidão de nós mesmos? Por quê não sentimos a necessidade de orar sempre, de tal maneira que a hora obrigatória de oração é também uma hora propícia para orar? Por quê para mim há distinção entre o espontâneo e o obrigatório? Por quê a espontaneidade não é para mim tão necessária que a necessidade da imposição se me torne espontâneo?No entanto, se sou sincero, devo dizer que eu rezo com convicção, de todo o coração, só quando há em mim a necessidade de clamar, de chamar a Deus. Certamente, a oração é essencialmente louvor, ação de graças. Mas pelo fato de eu saber isso, pelo fato de eu admitir isso, ainda eu não louvo a Deus. Certamente, tenho momentos em que não caibo na pele de contente, e assim louvo a Deus. A oração é como grito de alegria na gratidão. Isso quer dizer que a oração de louvor é grito de necessidade chamado alegria? Pois, o grito de alegria só sai na necessidade de expansão, da mesma maneira como o grito de socorro, a súplica só sai na necessidade de auxílio. Por quê, pois, não admitir que oramos só quando há necessidade?

A necessidade trai o nosso interesse. Indica lá onde está o tesouro do nosso coração. A necessidade de orar, a importância que damos à oração, depende, portanto, daquilo que constitui, perfaz o móvel, o vigor essencial do meu viver: do sentido da vida que me sustenta, anima o meu viver.

Hoje, há muita discussão acerca da oração. Sobre a oração comunitária, particular, sobre orações espontâneas, sobre as reformas litúrgicas, meios, técnicas para aumentar a participação, etc.

No entanto, tem-se a impressão de que começamos a ficar entediados com essas discussões, pois, por mais que nos esforcemos, por exemplo, para acionar a liturgia com meios mais modernos de comunicação, por mais que tentemos dinamizar a liturgia, parece que na realidade não aumenta a necessidade interior de orar.

Até se poderia colocar a questão, se nós com toda a nossa vontade de querer animar a liturgia, não estamos enfraquecendo, sim drogando o vigor da oração?!

Quando o coração está fraco, como fazer para revigorá-lo? Efetivando-o de fora com estimulantes excitantes? Não é isso aumentar a inflação? Não é necessário justamente aqui evitar toda e qualquer excitação, concentrar o pouco de vigor que nos resta ao essencial, trabalhar lentamente para que o vigor cresça de dentro para fora?

Nós não concordamos com a tese de que pela imposição de normas e horários se possa produzir o vigor de oração, lá onde ela não existe. Mas, não estamos na mesma jogada de tal imposição, quando queremos produzir o vigor da oração, certamente não pela imposição, mas pelos meios técnicos de animação e de dinamização.

Antes havia o perigo de se pensar que rezamos quando se cumpriam os horários impostos de oração. Hoje, não estamos nos iludindo também ao pensarmos que rezamos, quando estamos animados, gostando de certas formas dinâmicas e animadas e vivenciais de oração?

Quer dizer que não devemos animar a oração? Certamente que sim. Mas, talvez fosse mais coerente e conseqüente com o nosso modo de ser do poder, do querer, do produzir, se admitirmos que impor horários, organizar orações comunitárias, etc., é também uma forma de animar a oração. Que exerçamos o nosso poder desagradavelmente ou agradavelmente, em forma quadrada ou em forma redonda, isso tudo não muda nada nisso que animação é exercício do poder. Aliás, nem sempre a forma vivencialmente mais agradável e fácil é a mais eficiente. A dureza de disciplina e imposição é também uma forma de vivência.

O problema essencial, no entanto, não está no fazer ou não fazer isso ou aquilo. A questão essencial reside numa dimensão que está antes de todas essas questões de articulação.

Se a oração é clamor, grito que vem do coração, então, a questão-cerne não é de saber como, quantas vezes, em que língua grito, mas sim: como está o vigor do meu coração.

Coração é o âmago, a interioridade de mim mesmo. É lá que somos atingidos, é de lá que somos movidos pelo sentido da vida. A questão da oração, portanto, pressupõe uma questão anterior: qual é o sentido fundamental da vida que me atinge, me sustenta, orienta e anima o meu viver? Onde está o meu interesse fundamental?

Essa pergunta é importante. Pois, a oração pressupõe e é a concreção da atitude humana a mais fundamental, a saber: a acolhida da gratuidade de Deus.

Vamos examinar, por exemplo, oração de petição. Ela pressupõe a acolhida da gratuidade de Deus.

Eu estou necessitando urgentemente de uma ajuda, por exemplo, a cura da doença mortal de uma pessoa amiga. Já esgotei todos os recursos de auxílio humano. Digamos que essa pessoa é muito importante para mim. Peço a Deus com toda confiança a cura da doença.

O quer dizer aqui “com toda confiança”? Confiança da certeza de que Deus vai me atender como eu acho que devo ser atendido? Ou é uma atitude radical de abnegação de todo o meu saber e poder acerca daquilo que é a Bondade de Deus?

Digamos que Deus silencie. Digamos que Ele não me atende. Digamos que a pessoa amiga é colocada numa situação absurda, na situação de um sofrimento inútil. Não é que chega a um ponto onde você não mais pode acompanhar com seu poder e seu saber a pessoa amiga no seu caminho de encontro com Deus?  Não é assim que devemos silenciar diante do pudor do Mistério dessa história de uma alma que só se dá na solidão profunda e obscura entre Deus e aquela pessoa?

Confira a Bíblia: consumado está.

Esse deixar ser o segredo do Grande Rei do outro é ao mesmo tempo abandonar-me à gratuidade da Bondade de Deus. Pois, a morte do outro é aqui, também a minha morte.

Portanto, pedir com toda confiança é dizer de todo o coração: seja feita a tua vontade. É dizer livremente, gratuitamente: eis aqui a serva do Senhor: Fiat. Mas, dizer isso significa: acolher de todo o coração a impossibilidade de saber, de dizer, de calcular, sim de medir o que seja a vontade de Deus! É, pois, acolher a gratuidade, a liberdade do Mistério de Deus.

Ora,  tal acolhida é a obediência: a ausculta e acolhida do Mistério de Deus, a ob-audiência. Por isso, diz frei Egídio, companheiro de São Francisco: Meu filho, verdadeiramente oração é obediência.

Gostar, sim saber a partir de tal obediência tudo, todas as coisas, todos os acontecimentos, tudo que é para mim positivo, tudo que para mim é negativo, acolher em tudo o aceno do Fundo abscôndito, da noite clara do Mistério da Liberdade de Deus é louvor, ação de graças, a Boa Alegria: a eucaristia (Cântico do Irmão Sol de S. Francisco).

A oração, seja ela de louvor, seja ela de petição, pressupõe essa atitude fundamental de ser na gratuidade de Deus, e é ao mesmo tempo exercício do espírito, no empenho, na caminhada para a compreensão cada vez mais agravada e agravante do Mistério da Liberdade de Deus.

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