Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Da Formação – Reflexões avulsas sobre o discipulado

03/03/2021

 

O tema

O tema proposto é o discipulado. O tema diz respeito a um dos elementos essenciais da Vida Consagrada Franciscana, conforme uma determinada interpretação do que seja a essência da Vida Consagrada Franciscana.

Essa observação restritiva “conforme uma determinada interpretação do que seja a essência da Vida Consagrada Franciscana” trai uma perplexidade, na qual caímos, quando falamos do discipulado, referindo-o  à hodierna formação para a Vida Consagrada Franciscana. Pois, o discipulado hoje pode ser e é muitas vezes considerado com um sistema de formação obsoleto, tradicionalista, uma pedagogia antiquada, “medieval”, cuja funcionalidade para os tempos modernos se coloca em questão, em dúvida, ou se nega categoricamente.

A perplexidade acerca do tema

Esse tipo de perplexidade hoje ocorre com freqüência, quando tratamos os assuntos essenciais da nossa Vida Consagrada Franciscana e, principalmente, quando discutimos a sua formação.

Isto significa: hoje, quando discutimos esses temas, já de início ou antes mesmo do início, começamos duvidando, se tal tema vale a pena ser discutido, se o tema é atual e atuante, se é válido para o mundo de hoje. E como cada um de nós tem seu ponto de vista e a sua interpretação a partir desse ponto de vista, sentimos a necessidade de discutir preliminarmente a validez e a atualidade do tema em questão. Mas, para chegarmos a resolver essa questão preliminar, se faz mister termos uma base comum, válida e aceita por todos de antemão. Ora, exatamente é essa base comum, válida e aceita por todos de antemão que hoje está em questão. Assim, giramos numa espécie de círculo de um vazio questionamento, no fundo formal e sem concreção que já de início de nossa busca nos inibe, nos desgasta e nos tira o elã de uma busca comum, cordial, vigorosa e bem disposta.

A necessidade do consenso para um bom trabalho

Se a nossa reunião verdadeiramente de alguma forma quer ser um trabalho sério e real, trabalho que nos traga fruto, por mínimo que ele seja, é necessário que já de início estejamos unidos numa mesma convicção e evidência de que vale a pena, sim que é necessário tratar o tema discipulado, por ser ele um dos elementos essenciais da Vida Consagrada Franciscana.

Mas como chegar a esse consenso, se o tema está em questão?

A tradição, a terra onde nasce e cresce o consenso

Quando falamos de consenso, nós hoje, logo pensamos em votação para um acordo comum. Uma espécie de negociação, de contrato e de combinação. Um cede parcialmente ao outro o seu ponto de vista, entra com ele em acordo comum, no qual cada qual, em cedendo um pouco do que é seu, de alguma forma salvaguarda o seu interesse. Esse tipo de consenso é um consenso entre pessoas ou grupos de pessoas que se reúnem, cada qual a partir de um inter-esse próprio diferente, com outras palavras, entre pessoas e grupos estranhos entre si.

Quando, porém, mestres e educadores de uma Ordem como a nossa nos reunimos para conversar sobre a formação e educação dos membros dessa nossa Ordem, nós o fazemos exatamente porque existimos, agimos, pensamos e sentimos a partir de um mesmo inter-esse, a partir de um mesmo sentido da vida, de um consenso; o acordo aqui, não é o objetivo da reunião, é antes o móvel, o princípio, a fonte dinamizadora da própria reunião. É a condição da possibilidade da dinâmica da reunião. Como tal, é o pressuposto, a sub-stância fundamental, e sub-jecto da própria reunião. Por isso, esse substrato essencial, esse consenso não pode ser colocado em questão.

Mas, esse “não poder”, em geral, é formulado e compreendido como uma proibição abstratamente normativa, de tal sorte que não nos indica o modo de como proceder, quando supostamente há falta de consenso, falta de consenso que cria uma espécie de indiferença e diferenças oriundas dessa indiferença a respeito da verdade substancial de um grupo. Verdade esta que deveria estar pulsando vivamente como o móvel gerador da dinâmica de grupo. O que significa, pois, a proibição de questionar o consenso substancial, para que essa proibição se torne uma indicação concreta, útil e dinamizadora de um proceder positivo?

Não questionar significa não buscar outra medida alheia ao que ali prejaz, latente como fundamento, embora talvez no estado de esquecimento. Posititivamente significa: trazer à tona, trazer à luz, à atuação a força originária que está escondida debaixo de preconceitos, equívocos, compreensões desviadas ou de interpretações imprecisas, unilateralmente dogmatizadas ou exacerbadas. A proibição na realidade é aqui uma afirmação, afirmação de uma tarefa a ser assumida, trabalhada intensamente: a tarefa de desentulhar a energia originária da nossa própria raiz, da nossa fonte, a partir e à mercê da qual, todo o nosso ser e agir, pensar e sentir, recebem a vitalidade, eficiência, atuação e atualidade.

A proposta do tema discipulado para a discussão está na perspectiva dessa revitalização da originária tradição franciscana.

Certamente, o que está em questão não é a originária tradição franciscana, mas sim que o tema discipulado pertença de fato à originária tradição franciscana.

As reflexões que se seguem, no entanto, estão convencidas de que o discipulado pertence á originária tradição franciscana, estão convencidas de que o discipulado para a Vida Consagrada Franciscana e sua formação não é apenas um método pedagógico, no fundo indiferente e substituível, sim descartável, uma manifestação cultural de uma determinada época, mas sim um momento essencial do próprio ser da Vida Consagrada Franciscana, que é válido ontem, hoje e amanhã.

Se, porém, houver uma discussão acerca da validade dessa convicção, a proposta, acima insinuada, é de se examinar a pulsação da dinâmica atuante operativamente na originária tradição franciscana. As reflexões que se seguem, porém, simplesmente tentam expor o que a seu ver a partir da originária tradição franciscana deve se entender por discipulado.

As reflexões não têm a função nem a pretensão de informar, de ensinar, de provar ou defender uma tese, mas apenas de servir como início de discussão, debates e estudos a respeito deste tema. E como o próprio título já insinua, são reflexões chutadas, avulsas, isto é, desbaratadas sem as características de uma exposição orgânica e sistemática. São apenas alguns pontos referidos ao discipulado para provocar o início de um estudo. É que num grupo altamente mobilizado para a busca e interessado no assunto da formação, as coisas mais banais, conhecidas, duvidosas, sim mesmo erradas, podem ser tomadas como um ponto de partida para um bom estudo e debate frutífero, contudo que de alguma forma versem acerca da formação.

O modo de ser do discipulado é singular, e, por isso mesmo, universal

Com a palavra “discipulado” na Vida Consagrada Cristã se indica “o modo de ser todo próprio”, denominado usualmente de Seguimento de Jesus Cristo.

Trata-se, pois, de um modo de ser singular, único, referido propriamente ao relacio-namento de Jesus Cristo e seus seguidores. Não se trata, portanto, de relacionamento mestre-discípulo no sentido usual e geral. Com outras palavras, o discipulado na Vida Consagrada Cristã recebe as características próprias da sua essência, a partir do Seguimento de Jesus Cristo. Assim o Seguimento de Jesus Cristo não é um dos muitos casos especiais do gênero discipulado. Por isso, não se pode compreender precisa e propriamente o discipulado cristão, estudando e assimilando, por exemplo, o discipulado budista ou taoista ou discipulados similares.

Isto, porém, não significa que o estudo de outros discipulados seja supérfluo ou inútil para nós religiosos cristãos. Apenas não é possível compreender precisa e plenamente o discipulado cristão, reconduzindo-o ao conceito de discipulado usual e geral. Pois, o discipulado cristão como Seguimento de Jesus Cristo é superação do discipulado usual e geral. Superação aqui não tem nenhuma conotação de superioridade valorativa nem significa que tenhamos deixado para trás como algo já “vencido” e “transposto” o discipulado usual e geral. Significa antes o processo de encarnação, subsumpsão, de incorporação do discipulado usual e geral numa transformação criadora, num renascimento radical, do qual surge uma realidade inteiramente nova, singular, única e incomparável. Essa realidade nova, singular e única então se torna o ponto de referência, a medida, a partir da qual nós cristãos tentamos entender o discipulado usual e geral. Com outras palavras, o Seguimento de Jesus Cristo é um relacionamento inteiramente próprio, novo e singular do discipulado, a partir do qual  os outros discipulados usuais e gerais podem ser considerados como variantes abstratos ou como modos deficientes. Esse modo de ser singular que se constitui o centro de referência e abre todo um mundo novo de realidade, a partir da qual os que compartilham dessa dimensão recebem a sua medida comum, se chama universal.

O Discipulado pertence à categoria da existência humana e não à categoria da coisa-ocorrente

Essa maneira de encarar o discipulado parece ser sectária e subjetiva. Pois, já a própria qualificação “modo deficiente” não está dizendo que somente o Seguimento de Jesus Cristo é discipulado autêntico, por excelência, ao passo que os outros discipulados são de alguma forma inautênticos, derivados, de segunda categoria, portanto, deficientes? Em tal colocação não se expressa um retrocesso no diálogo com as outras religiões e mundividências? Não é assim que é em certas religiões que ainda encontramos o discipulado numa forma ainda séria, originária e autêntica, ao passo que nós cristãos o perdemos e o aguamos na mistura de tantos “métodos” diferentes, sortidos, confusamente ajuntados da psicologia, pedagogia, antropologia, sociologia, que não passam de discrepantes pontos de vistas subjetivos?

No entanto, talvez toda essa questão acerca da prioridade única e singular do Seguimento de Jesus Cristo em referência à compreensão do que seja discipulado não diz respeito à prioridade, à excelência do discipulado cristão em comparação com outros discipulados.

Pois, o que interessa no estudo do que seja discipulado não é um saber sobre o discipulado ou sobre os discipulados. A colocação, a posição de nosso estudo não é uma posição de quem tem uma visão panorâmica do discipulado do cristão e dos outros discipulados, a partir de e em cuja posição pudéssemos averiguar, divisar comparativamente qual dos discipulados é o melhor, para então dentre tantas “coisas” “objetivamente” examinadas pudéssemos escolher a melhor e nos engajarmos nela. Um saber assim “objetivo” é na realidade um saber que no fundo ainda não está bem adequado com precisão ao modo de ser próprio, característico do fenômeno humano como o discipulado. É que o discipulado como um fenômeno humano “objetivamente” não pertence ao tipo de realidade chamada realidade-coisa ou realidade-ocorrência, mas sim à realidade-existência (humana), à realidade-pessoa ou à realidade decisão da liberdade. Assim como uma visão panorâmica das estradas que conduzem a Roma jamais me dá a experiência real da caminhada engajada num caminho, assim o saber sobre os discipulados jamais me faz discípulo na decisão de um Seguimento absoluto. Assim como a compreensão do caminhar real para Roma só pode ser adquirida caminhando cada vez um único caminho, assim também a captação, a compreensão de uma realidade existencial só é possível em se inserindo nela de corpo e alma numa participação decisiva e decidida, onde, no dever assumir num salto o todo de uma caminhada, se arrisca a ventura e a aventura do próprio destinar-se de uma vida. Tal saber não é mais um saber sobre, um saber panorâmico sobre diferentes possibilidades ali prejacentes, mas sim um compreender no próprio risco radical de pertença, de participação, um compreender no risco de ser eu mesmo o próprio ato de fazer e de me fazer a realidade a qual quero conhecer. Assim toda a fala acerca do discipulado, as caracterizações de sua essência, as indicações de um fazer nela decorrentes já vem a partir de uma concreta decisão inserida  e historial no próprio Seguimento e atinge esse mesmo Seguimento. Por isso, toda referência feita nessas reflexões mesmo ao discipulado usual e geral, quer na descrição estrutural quer nos exemplos tirados do discipulado de outras religiões, não tem a função “objetiva” de dizer algo ou descrever esses discipulados, mas apenas de acionar melhor a compreensão concreta e singular do discipulado entendido como Seguimento de Jesus Cristo.

A formação no discipulado não é fôrmação, mas essencialização

Usualmente, quando falamos de discipulado, o pensamos como uma forma ou modalidade de formação. No entanto, se o discipulado cristão e da vida consagrada não é outra coisa do que simplesmente Seguimento de Jesus Cristo, temos dificuldade de, sim nos é até impossível, entendê-lo como uma forma ou uma modalidade de formação.

Isto significa que o discipulado não tem nada a ver com a formação da vida consagrada e cristã?

No entanto, o fato de não podermos reduzir o Seguimento de Jesus Cristo a mera forma ou modalidade de formação, com o risco de esvaziar inteiramente o seu conteúdo originário e o seu vigor mordente, não segue a conclusão de que o discipulado do Seguimento de Jesus Cristo nada tem a ver com a formação. Antes, pelo contrário, desse fato se conclui que o Seguimento de Jesus Cristo tem tudo a ver com a formação cristã e consagrada. A formação cristã e consagrada não é outra coisa do que simplesmente Seguimento de Jesus Cristo.

Essa constatação, porém, tem como conseqüência a necessidade de mudar a compreensão usual que temos de formação quando a referimos à formação cristã e da vida consagrada.

Usualmente entendemos a formação à mão de dois modelos principais: um modelo é assim chamado modelo manufactural-coisista, o outro, modelo orgânico: vegeto-animal.

No modelo manufactural-coisista, a formação é um processo semelhante à moldagem do material físico dado numa fôrma para a confecção de um produto manufactural. Formar significa amoldar, encaixar, condicionar, adestrar, canalizar, encanar, treinar um material ainda informe, bruto, selvagem para um determinado objetivo fixo de antemão como modelo, como ideal, como a meta a ser alcançada. Esse tipo  de formação que pode ser altamente desenvolvida tecnicamente e pode ser funcionalmente uniforme, objetiva, eficiente, é usada, por exemplo, nas empresas, no exército, nos sindicatos, etc.

O modelo orgânico vegeto-animal é uma forma de educação que reage contra esse modelo manufactural-coisista. Afirma que a pessoa humana não pode ser tratada como um material-coisa a ser modelado para um objetivo predeterminado. Que a pessoa humana é como uma semente ou um embrião que desabrocha a partir de sua potencialidade nela depositada. Aqui a formação não é moldar, não é finalizar, é antes educar, isto é, conduzir para fora o que nela já está latente, criando condições para que as suas potencialidades possam se desenvolver, livre e espontaneamente, sem impedimentos, cortes, traumas e repressões.

Esse tipo de formação hoje se tornou usual em vários setores da educação e tem aparentemente uma grande força de atração por prometer uma formação orgânica, harmoniosa, integral e natural.

No entanto, esse segundo modelo interpreta o ser-humano ainda de alguma forma segundo o conceito de natureza do tipo vegetativo-animal e não faz jus à natureza, isto é, a nascividade própria do ser humano, em cuja estruturação, ao menos para nós, entra essencialmente a dimensão da liberdade.

O Discipulado do Seguimento de Jesus Cristo não é propriamente “formação” no sentido do modelo um ou do modelo dois. Não o é também segundo nenhum outro modelo por melhor que ele seja, não é também nenhum processo que primeiro fazemos para depois alcançar um fim. No entanto, não ter modelos, não ter um fim, não ser isto ou aquilo, não significa ser o discipulado um processo caótico, espontâneo, indefinível, indeterminado, ao bel prazer, um vem e vai subjetivo. A formulação negativa, na realidade, está indicando o modo de ser radicalmente positivo do discipulado como uma realidade que só pode ser compreendida nela mesma, sem intermédio de uma outra coisa. A compreensão que vem desse contato imediato com a coisa-ela-mesma do discipulado, longe de ser uma compreensão vaga de algo caótico e indeterminado, é antes uma compreensão nítida, bem diferenciada e definida com precisão, de tal modo que o iniciar, o crescer e o se consumar nesta caminhada exige a cada passo, passo a passo, precisão e determinação no saber e no fazer, digamos quase como, ou melhor, mais do que um saber e um fazer artesanal. Isto significa: no discipulado não é assim que nós primeiro treinamos, nos adestramos para então depois de certa formação podermos seguir a Jesus Cristo. No discipulado, já o primeiro passo da formação, façamos o que fizermos, desde a preparação para o primeiro passo, já é o próprio fazer o próprio engajar-se, a própria labuta corpo a corpo como Seguimento de Jesus Cristo, um fazer o Seguimento de Jesus Cristo. É esse contato imediato corpo a corpo que vai temperando, forjando, transformando o nosso ser, de tal sorte que nos tornamos cada vez mais naquilo que desde o início e para sempre nos decidimos ser: discípulo do Seguimento de Jesus Cristo.

Trata-se aqui de uma realidade que não pode ser aclarada a partir do modelo de ser de uma coisa, por mais “vitalizada”, “animada”, “espiritualizada” que ela seja. Pois, trata-se aqui do fenômeno da decisão do encontro historial, na qual ser e fazer, ser e se doar, ser e se arriscar, não tem diferença, mas sim identidade dinâmica de corpo a corpo no fazer-se e perfazer-se do destinar-se da liberdade.

Esse modo de ser que concretiza o ser humano como liberdade, o medieval o denominava de fórma o que aqui significa não fôrma, mas sim a essência, cujo sinônimo concreto é espírito. E o espírito por excelência é Deus a se, o Criador generoso, dinâmico, paciente e artesanal do universo, na difusão livre e cordial da sua liberdade, comunicação gratuita da bondade de ser. E o homem é imagem e semelhança desse Deus, o homem é sua criatura, por excelência. Assim sendo, formação significa agora não formação, mas sim essencialização daquilo que é próprio do homem, isto é, da liberdade, da imagem e semelhança da aseidade do Deus de Jesus Cristo. O Seguimento de Jesus Cristo é então formação como essencialização, isto é, o nascimento, crescimento e consumação daquilo que sempre fomos pela graça do Deus de Jesus Cristo, por Ele, Nele, na identificação com Jesus Cristo: Filho de Deus.

O Discipulado, um aprender sui generis

Discipulado vem do verbo latim “discere”, que quer dizer aprender. No entanto o disci, o aprender próprio do discipulado como Seguimento de Jesus Cristo é um aprender sui generis. É, pois, um aprender que difere da usual aprendizagem.

Usualmente entendemos por aprender adquirir o saber. O saber aqui pode ser um conhecimento, isto é, informação do que é e como é uma coisa, ou pode ser também uma técnica, isto é, habilidade no manejo de uma coisa ou na aplicação prática do conhecimento adquirido. O saber pode ser adquirido pela transmissão de outrem, ou pela experiência própria através da experimentação. Em todos esses casos o  saber é uma aquisição que se torna uma posse e é sempre, de alguma forma, da nossa competência, pertence, pois, à nossa própria possibilidade. As­sim, na aprendizagem aprendemos certamente o que ainda não sabemos, mas mesmo assim, o que devemos aprender por não sabermos ainda, é sempre de alguma forma apreensível, aprendível, não ultrapassa a nossa própria possibilidade. Por isso, o que vem de encontro ao nosso saber já adquirido, como que deve ser ainda aprendido,  é de alguma forma previsível, está, como possibilidade, dentro do horizonte da nossa captação. E enquanto tal, o saber adquirido pode ser, por sua vez, transmitido por quem sabe a outra pessoa que ainda não sabe. Aqui, o saber, quanto mais aprendemos, se torna cada vez mais um poder, de tal sorte que podemos dizer, então, que saber é poder. A quantidade e a in­tensidade do saber constituem uma escalação, uma graduação do poder, instituin­do uma hierarquia de status do saber. Assim quem mais sabe é superior, quem menos sabe é inferior. Quem mais sabe ocupa o status do professor, quem menos sabe o status do aluno. Quem mais sabe pode ensinar ao que menos sabe o que deve aprender. Quem tem mais saber tem mais segurança, quem menos sabe tem menos segurança. O saber alcança a sua perfeição na aprendizagem, quando não somente adquire o saber, mas também aprende o próprio aprender, de tal sorte que a aquisição do saber sabe não somente adquire, mas sabe como adquirir todo e qualquer saber, sem estar mais na dependência de um superior que lhe ensine o know-how do saber. Aprendizagem perfeita aqui é aprender o aprender.

A aprendizagem, o aprender, no discipulado do Seguimento de Jesus Cristo, é  bem diferente.

Aqui não se trata de adquirir um saber, quer seja conhecimento e informação do que é e como é uma coisa, quer uma habilidade no fazer e aplicar um conhecimento a uma realidade. Não se trata de adquirir, de uma posse, não se trata de um poder. Não se trata, pois, de um aperfeiçoamento da possibilidade humana nem do desenvolvimento da possibilidade humana.

Trata-se antes, apenas, exclusiva e simplesmente, direta e imediatamente, sem rodeios, do Encontro. Do Encontro, no qual somos atingidos de antemão por um chamado, por uma predileção, anterior a toda e qualquer iniciativa nossa, para além e para aquém de nossa competência e possibilidade. Trata-se, pois, do Encontro que vem da escolha livre que o Deus de Jesus Cristo fez de nós; Dele  que nos amou primeiro e nos chamou à decisão de lhe correspondermos na imitação, no Seguimento de Jesus Cristo.

Aqui também há uma busca, uma busca absoluta, onde tentamos aprender, saber, ver o que é, como é, como fazer, tentamos aprender e experimentar a caminhar, nos exercitamos, nos adestramos, ouvimos para compreender, num empenho decidido, assumindo numa determinação absoluta de obediência incondicional àquele a quem seguimos, a Jesus Cristo; mas toda essa busca não é outra coisa do que apenas e radicalmente Encontro com Jesus Cristo, participação do modo de ser Dele, identificação de todas as parcelas do nosso ser com a vida e a pessoa, com toda a realidade de Jesus Cristo.

Essa realidade do Encontro confere ao aprender do discípulo uma serie­dade existencial de engajamento, digamos uma seriedade “mortal”, isto é, seriedade da decisão de vida ou morte, de tal sorte que aqui o aprender, cada vez, é um fazer concreto do Seguimento de Jesus Cristo. Quem assim segue a Jesus Cristo aprende e ensina, mas o que aprende e ensina não é propriamente um saber, uma informação ou uma habilidade, mas sim é o próprio perfazer-se do Seguimento.

Características do Discipulado

A partir da experiência desse perfazer-se no Seguimento de Jesus Cristo, podem-se esboçar, avulsamente, à guisa  de ilustração, algumas características da estruturação dessa aprendizagem:

  1. a) Nesse discipulado há um único Mestre, o Deus de Jesus Cristo, o Pai, que se torna presente, vivo e concretamente em e através de Jesus Cristo.
  2. b) No entanto, essa “unicidade” se apresenta numa universalidade de presença toda própria, a qual talvez possamos chamar de analógica, referindo-nos à estruturação da ‘analogia entis’ medieval: esse único Mestre não aparece ao discípulo como uma entidade, como a ensinar diretamente, a informar ou ditar normas, ordens e ensinamentos, visivelmente. Digamos, Ele jamais aparece Ele mesmo, a não ser no humilde retraimento do Mistério da Encarnação. Isto é, Ele somente aparece na corporificação do ser e agir essencial de Jesus Cristo, isto é, na disposição da absoluta obediência de Jesus Cristo e seus seguidores à Vontade do Pai. No ser e no agir de Jesus Cristo que foi obediente ao Pai até a morte na cruz e em todos os seres e agires dos que viveram, vivem e viverão o Seguimento de Jesus Cristo. Nesta imensa corrente de fluxo e refluxo universal da Boa Vontade discipular de Obediência à Vontade do Pai se torna presente, sim onipresente, o Único Mestre que nos chama, evoca, ensina, nos provoca, nos orienta, nos consola, sim, nos prova, num imenso convite ao Saber Universal, à Sabedoria católica do Encontro com o Pai. E a partir da presença do Único Mestre, nessa Comunhão dos Santos, essa própria presença se espraia a todos os outros seres do Universo, de tal sorte que nas pedras, nas plantas, nos animais, na imensidão do firmamento, nas variegadas vacilações do tempo e das estações, nos acontecimentos, nos eventos históricos, enfim em todos os fenômenos do Universo, do tempo e do espaço, em todas as vicissitudes historiais de diferentes culturas e civilizações, em todas as tribos, em todos os clãs, em todas as nações, em todos os povos, em tudo e cada coisa o discípulo encontra vestígios e provocações e convocações da doutrina e do ensinamento do Único Mestre, o Pai de Jesus Cristo.
  3. c) Portanto, nesse discipulado, embora haja somente um Único Mestre, todas as coisas a cada momento, de dia e de noite, sem exceção ou exclusão de nada, na graça e na desgraça, no bem e no mal, no belo e hediondo, na força e na fraqueza, na saúde e na doença, na vida e na morte, podem estar evocando ao discípulo a tarefa de colar a sua ausculta obediente à realidade agora e aqui e se empenhar de corpo e alma, em pensar, sopesar, experimentar, buscar e apren­der através de tudo, aprender do Único Mestre, do Pai de Jesus Cristo.
  4. d) O que o discípulo aprende neste ensino universal não é conhecimento, não é habilidade, mas sim a essência do Seguimento de Jesus Cristo: aprende a ser como Jesus é, a fazer a Vontade do Pai.
  5. e) No entanto, fazer a Vontade do Pai não é propria­mente executar o que uma vontade quer que nós façamos. Fazer a Vontade do Pai é muito mais do que isso, é mais exigente e mais do que execução de ordem ou de desejo de alguém. A tal ponto complexa que necessitamos um estudo de toda uma vida, de um estudo todo próprio chamado Disci: pulado no Seguimento de Jesus Cristo.

É que fazer, aqui, não significa executar, mas sim fazer uma obra, trabalhar artesanalmente uma obra prima. E vontade aqui não significa ordem, cobiça de uma faculdade humana chamada vontade, mas sim a própria dinâmica da Liberdade e Gratuidade de um “Deus a se”, isto é, do Amor do Pai de Jesus Cristo.

Assim, fazer a Vontade do Pai significa trabalhar artesanalmente em fazer a obra da Dinâmica Divina Criadora. Da Dinâmica Divina Criadora que enche o Universo, que cria um novo céu e uma nova terra, que envia o sol e a chuva a justos e a injustos, que varre o vale da morte e da sombra com o sopro vivificador da ressurreição, que desce até aos abismos dos infernos e sobe até a culminância dos céus, que cuida dos pardais e das flores do campo, que derruba os poderosos dos tronos e exalta os humildes. Ser uno com essa dinâmica do Bem difusivo de si, fluir no vigor restaurador dessa misericórdia, pulsar no mesmo ritmo desse tempo de salvação, penetrar todos os seres, impregnar o âmago de todas as coisas com essa força criadora e fazer crescer a participação e comunicação de todos os seres nessa dinâmica, estudar, captar, defender, ser essa Dinâmica: tudo isso é, pois,  fazer a Vontade do Pai.

  1. f) No discipulado do Seguimento de Jesus Cristo, o discípulo se decide de corpo e alma na decisão, que é um salto irrevogável, a aprender trabalhar a obra dessa Dinâmica Divina, isto é, fazer a Vontade do Pai, como Jesus Cristo o fez, isto é, até a morte e morte de cruz.
  2. g) De tudo isso, embora o que se busca, o que se aprende não seja nem conhecimento nem habilidade, mas sim, unicamente, fazer como Jesus o fez, a Vontade do Pai, resulta um enorme saber, uma profunda experiência e sabedoria e uma engenhosa habilidade e praxe, a ponto de todo esse saber poder contribuir para frutificar, provocar, purificar, incentivar culturas e civilizações. É nesse sentido que o discípulo desse discipulado não despreza nem rejeita nenhuma das culturas ou civilizações; busca em tudo na sabedoria de todos os povos e de todas as nações, nas experiências de outras religiões e mundividências, as atuações da Dinâmica Divina da Vontade do Pai; está aberto a todas as épocas, a seus anseios, vitórias e frustrações, participa vivamente de todo o destinar-se da humanidade.

Assim o Seguimento de Jesus Cristo que se constituía como o único e singular móvel de nosso discipulado cristão, se torna gerador e animador de um interesse universal para todas as coisas.

A disciplina técnica como experiência

O Disci, o aprender do discipulado assim compreendido como decisão do fazer artesanal da Dinâmica Divina exige disciplina.

Disciplina é um conjunto de posturas, de colocações, de posicionamentos, preciosos e bem experimentados para por o aprendiz na máxima disposição de poder bem se iniciar, crescer e se consumar na aprendizagem do aprender a fazer uma obra. Modernamente dizemos em vez de disciplina, técnica de aprendizagem. Como tal a disciplina é técnica, isto é, habilidade para entrar bem e adequadamente na dinâmica do bem aprender: disciplina.

Mas, não dissemos acima que o discipulado do Seguimento de Jesus Cristo não é uma aquisição de conhecimentos nem de habilidades? Porque então começamos agora a falar de disciplina como técnica da aprendizagem?

Dissemos antes que o Seguimento de Jesus Cristo é o próprio corpo a corpo do perfazer-se do Seguimento. Esse perfazer-se se dá no Seguimento de Jesus Cristo, isto é, no fazer concreto, vivo, engajado de Jesus Cristo e todos os seus seguidores através do tempo e do espaço, da absoluta obediência incondicional e abraçada livremente à Vontade do Pai, isto é, pois, um imenso trabalho artesanal comunitário, na participação, no convívio de todo o Corpo Místico de Cristo. Trata-se, pois, de um imenso oceano de experiências, vivas, atuantes, atuais, bem comunicadas, bem partilhadas, uma pulsação vigorosa bem trabalhada, testada, sim, em muitos pontos optimal. Trata-se, pois, de algo concreto, efetivo, vivo. Sendo assim, podemos e devemos entrar nessa dinâmica. E como não se trata de uma força caótica, indefinida, confusa, mas de uma dinâmica criativa de ordenação, bem diferenciada, bem estruturada, isto é, bem trabalhada, ela deixou muitas dicas, orientações, cristalizações optimais de experiências em fórmulas, diretrizes, regras e normas que nos podem colocar, a nós, que ainda não estamos de cheio nesta dinâmica, numa disposição, numa postura adequada, exatamente para essa mesma dinâmica. Essas dicas, que não são propriamente informações ou habilidades, são, por assim dizer, evocações do jeito próprio da coisa ela mesma. A esse jeito e às evocações desse jeito nós o chamamos de técnica de aprendizagem. Técnica aqui não é meio, instrumento, mas sim a própria coisa da Dinâmica Divina, do seu jeito peculiar. E a Sagrada Escritura e os textos espirituais não são outra coisa do que um bom manual de aprendizagem, onde estão consignadas por discípulos bem experimentados dicas e orientações que nos ajudam a captar esse jeito próprio da Dinâmica do Pai.

O que o discípulo deve ter para ser um bom aprendiz no discipulado

Vamos a seguir examinar algumas posturas disciplinares do discipulado, que o discípulo deve ter para ser um bom aprendiz do discipulado:

  1. a) A Reverência à autoridade do único mestre em todas as suas manifestações comunitárias e comuns

A reverência é um fenômeno inteiramente diferente do medo, do respeito humano, da bajulação subserviente, mesmo diferente da admiração e o respeito de um fã. Nesses atos humanos enumerados, diferentes, embora de alguma maneira semelhantes, falta um elemento essencial que está presente na reverência como o pivô de sua caracterização; falta-lhes o que a Sagrada Escritura chama Temor de Deus, Temor que é o início da Sabedoria.

Só que costumamos entender o Temor de Deus como uma variante do medo. Mas em que consiste, pois, a reverência, cujo núcleo se chama o Temor de Deus? Consiste na límpida disposição de abertura incondicional da nossa Liberdade, como a humilde e nobre resposta cheia de gratidão, docilidade e cordial submissão à nobreza e à Benquerença da doação livre do Radical-Outro, um ir-de-encontro na gratidão e na admiração, cheio de amor e respeito pela imensidão, pela grandeza, nobreza, humildade e bondade do Radical-Outro.

Autoridade aqui no discipulado não significa poder. A palavra auctoritas vem do verbo aumentar. Augere (augeo, es, auxi, actum, augere), aumentar, ou melhor, crescer; autoridade se refere propriamente ao vigor do aumento, ao vigor de crescimento. Autoridade é, pois, a força vigorosamente nasciva e, por isso mesmo, suave da identidade, da autenticidade, da originalidade que convence, se impõe por si, cativa, convida, nos liberta para a gratuidade.

Reverência à autoridade significa então: límpida disposição, a priori, do nosso querer livre que se abre, sim que está já aberta, com gratidão, admiração, imensa simpatia e respeito à força suave, originária e convincente do Deus de Jesus Cristo que nos amou primeiro.

Como a presença desse Mestre Único, porém, se torna comum, comunitária, isto é, concreta, atuante em todos os entes, em todos os acontecimentos e encontros, em todas as vicissitudes do nosso existir, essa disposição-reverência se refere e vai de encontro ao todo da vida, a cada coisa do nosso viver, a tudo, a cada ente do universo.

Com outras palavras, a reverência é o humor constante, a priori, absoluto com o qual o discípulo se coloca sempre de novo e constantemente perante a vida.

O a priori dessa reverência não significa que ela exista, ou melhor, ocorra mecanicamente, como um fato dado de antemão. Significa antes a exigência de uma tarefa, uma postura, um posicionamento no qual devo sempre de novo e cada vez novo me colocar com disposição.

Esse dever se colocar é exigência de antemão, é condição da possibilidade para que o meu aprender seja realmente um discipulado como Seguimento de Jesus Cristo.

A reverência assim descrita aparece expressa no tratamento “Senhor” dado ao Deus de Jesus Cristo e ao próprio Jesus Cristo, tratamento esse que caracteriza a submissão discipular do Seguimento.

Por isso, é um equívoco fatal pensar que este Senhor Deus, Senhor Jesus possa ser substituído ou “atualizado” com tratamentos como “chefe, chefão, amigo, amigão, camarada ou companheiro”. No mesmo equívoco caímos quando tentamos evitar o tratamento Senhor por o rejeitarmos, pensando ser ele um tratamento indicativo de dominação do poder impositivo. Nas formulações como “Disse o Senhor aos seus discípulos”, “Vem Senhor Jesus”, “Senhor não sou digno”, “Fala Senhor que teu servo escuta”…, a palavra Senhor, mesmo que historiograficamente tenha sido emprestada de um contexto do sistema “senhor-escravo”, no discipulado significa exatamente a palavra básica da reverência discipular e tem conotação de uma profunda intimidade inefável do Mistério do Encontro no Amor, que, no entanto, está silenciado discretamente no pudor cheio de recato e respeito pela grandeza e nobreza divina.

Uma pessoa que de alguma forma não desperta para essa sensibilidade de reverência no trato com Deus e para com as pessoas humanas, sim para com todas as coisas, dificilmente vai entender o que significa com precisão ser discípulo do Seguimento de Jesus Cristo. Assim atitude como “Isto é injusto, Deus não podia fazer uma coisa dessa comigo”, “Deus arranja cada problema para a gente” ou “Vamos suportar com paciência a vontade de Deus”… não estão no discipulado, pois não estão limpidamente na disposição e na sensibilidade da reverência discipular. A reverência à autoridade do Único Mestre em todas as suas manifestações traz consigo uma outra postura discipular, que poderíamos chamar de fé.

  1. b) A fé como absoluta positividade

A reverência discipular indica, na atitude de discípulo, algo como recepção intensamente ativa do encontro que vem a nós, submissão cordial e grata e disposta ao que “padecemos” como recebimento da graça do encontro. Essa “passividade”, no entanto, apresenta ao mesmo tempo o seu outro momento constitutivo que é fé, isto é, o acionamento absoluto da afirmação do confiar como um posicionamento de todas as nossas forças para jamais duvidar, jamais vacilar, jamais deixar que entre uma fresta de um se não, um não, ou um será que, por me­nor e instantâneo que ele seja. Trata-se de um sim absoluto à confiança na grandeza, na nobreza do Radical-Outro divino. Esse salto decidido no sim da positividade absoluta da confiança não é um salto cego no escuro. É um sim límpido e sem mistura de outros interesses, que brota da captação precisa, clara e distinta da Doação gratuita de Deus, que nos vem a priori de encontro na imensidade de sua grandeza e nobreza. Aqui nessa postura não se trata de eu me animar, de eu sair do desânimo, de eu pensar positivo apesar de tudo, de eu confiar, de eu ter fé. Trata-se antes de manter-se fiel, rigorosamente fiel, com precisão na nitidez e na clareza, no conhecimento de que a garantia da verdade, a garantia da realidade, está em Ele nos ter chamado primeiro, em Ele ser a realidade absoluta, anterior a todas as nossas possibilidades, competências e existências.

Essa positividade que não vem de nós, mas nos é dada de antemão pela realidade anterior a nós como predileção, como a chamada, escolha do Encontro, é mantida pelo discípulo no cuidado vigilante de, na sua atitude, jamais deixar entrar, custe o que custar, a decadência, a distração, o desvio desse fio de decisão nítido da compreensão de que aqui tudo começa por, e tudo se refere à facticidade de Ele nos ter escolhido, querido e colocado primeiro, antes de nós o querermos, antes de nós existirmos, de Ele ser absolutamente o Positum anterior, a priori, de Ele ser o princípio.

A fé como a positividade absoluta é a postura que dá ao discípulo uma constância e firmeza de continuidade na busca, algo como um sim inquebrantável e tenaz na busca e no empenho do seu caminhar, sim algo como uma predeterminação pre-estabelecida, uma predisposição necessária. Mas, essa firmeza e constância não vem da força de vontade poderosa, do querer férreo e sim da nitidez da discreta adequação a essa compreensão da compreensão da anterioridade positiva do Deus de Jesus Cristo que ali está e nos vem de encontro como o a priori de nós mesmos.

Essa positividade absoluta da fé discipular parece ser à primeira vista uma ingenuidade pouco crítica, uma espécie de fé do carvoeiro. No entanto, ela é exatamente a precisão de adequação à realidade, à facticidade do Encontro do Deus de Jesus Cristo que nos chamou, nos tocou, nos afeiçoou primeiro. Essa positividade atua com mais nitidez e intensidade lá onde o discípulo deve enfrentar a aprendizagem da Vontade de Deus, isto é, a aprendizagem na obra da Dinâmica Divina, nas adversidades, contrariedades, perseguições, nos desprezos e sofrimentos. Aqui o exercitar-se na positividade absoluta toma forma bem nítida de uma aprendizagem corpo a corpo. Mas exatamente essa luta nua e crua com a realidade confere às negatividades da existência humana um sentido altamente positivo no crescimento discipular.

Por outro lado, porém, essa fé que é a clarividência a respeito do que é mais do que nós e anterior a nós, é ao mesmo tempo uma contínua vigilância, rigorosa e crítica, sobre tudo que eu, a partir de mim mesmo, posiciono quer no ser e no fazer, quer no compreender e sentir, em cada passo da aprendizagem. Temos assim a terceira postura discipular, a qual podemos caracterizar:

  1. c) O não do rigor crítico para com todas as posições tomadas a partir do eu do discípulo, as quais devem sempre de novo ser superadas e dinamizadas no confronto com o único Mestre em todas as suas manifestações

Aqui o não é uma conseqüência coerente do sim absoluto à autoridade do Único Mestre. É um não aos posicionamentos do eu do discípulo no processo da caminhada da aprendizagem. No entanto, essa negação do eu não é uma negação de repúdio, de rejeição ou de exclusão ou de aniquilação das posições tomadas pelo eu do discípulo na sua aprendizagem. Trata-se, antes, de ab-negação, isto é, um não que me faz distanciar da minha posição para manter e salvaguardar na própria posição o espaço aberto para a ausculta atenta, obediente e vigilante, para conservar a posição dentro do frescor da disposição aberta ao que me é dito continuamente sempre de novo pela inspiração do Único Mestre, que se manifesta em todas as coisas.

No discipulado, a busca é do que não se origina de nós, do que não vem da nossa possibilidade e competência, mas sim do toque do chamamento e do En­contro com o Radical-Outro, do que é anterior, maior do que toda a nossa iniciativa.

Por isso, nós recebemos do Radical-Outro a própria medida com a qual medimos o que aprendemos de tal sorte que toda a nossa dinâmica ativa deve estar concentrada incondicionalmente em receber essa medida. Mas porque o que recebemos ultrapassa a nossa possibilidade e é sempre mais e além do que somos, a medida recebida não é nenhum parâmetro ou referência determinada, mas sim continuamente o desafio e a provocação do Encontro, isto é, ser sempre novo, cada vez novo, cada vez totalmente diferente do que somos e podemos.

Isto significa que o discípulo é total e radicalmente positivo naquilo que ele não sabe e não pode saber a partir de si, mas justamente porque é nesse não saber que está a sua dinâmica, tudo o que ele sabe do que não pode saber, deve ser confrontado no próprio toque de encontro com a provocação do Único Mestre, de quem vem a medida de todo o seu saber.

Mas esta contínua crítica, isto é, purificação do seu próprio ponto de vista não é um escancarar-se irresponsável à negação vazia, um acomodar-se na agitação fingida e cômoda da dúvida simulada do ceticismo, não é exacerbar-se patética e farisaicamente na acribia de um pseudo-questionamento formal e generalizado, mas é assumir e acolher com responsabilidade e cuidado o próprio posicionamento, dentro das sérias exigências da busca da verdade absoluta como uma etapa do saber concrescido, e ao mesmo tempo não se fixar nele como se fosse uma medida de uma determinação, mas considerá-lo como algo medido e sempre de novo a ser medido a partir do renovado toque da recepção do Encontro.

Essa maneira de assumir o saber e o não saber nessa aprendizagem exige do discípulo um in-sistir engajado todo próprio no sabor e no saber de cada situação concreta, e ao mesmo tempo a disposição de nele não se entalar, de nele não parar, mas de o transcender continuamente. Exige pois:

  1. d) A precisão da in-sistência na inserção concreta para dentro da realidade.

Assim o discípulo guarda e cuida com muita responsabilidade e esmero o que já aprendeu, dele tira contínuo ensinamento, não deixa vazio e infrutífero o que aprendeu, dinamizando-o, reinterpreta-o, aprende o próprio aprender no que aprendeu, e ao mesmo tempo está sempre atento à chamada do Único Mestre em tudo, a fim de partir na busca de novos horizontes. Evita assim o “idealismo”, o “transcendentalismo” avoado, utópico, formal e generalizador, sem o peso concreto do conteúdo agora e aqui; mas também não se enterra no dogmatismo empacado de um “realismo” positivista e empirista, cego, opaco e inflexível para o crescer e concrescer, para o tempo oportuno do pro-gresso. Não é nem progressista e nem tradicionalista, mas cada vez, sempre de novo verdadeiro e real no fluir e concrescer, no assentar-se e se fundamentar na dinâmica sempre principial da tradição que, a partir da força radical da origem, deslancha a irrupção de novas épocas. É, pois, obediente à consistência e à transcendência no crescimento da aprendizagem na verdade.

Obediência é, pois, o sensorial do seu aprender.

  1. e) A obediência discipular, no entanto, é plena atenção da ausculta no aprender.

O discípulo cultiva, portanto, sempre e em toda a parte a obediência, isto é, a ob-audiência; vê em tudo a tarefa de exercitar-se na plena atenção da ausculta, obedece a todos e a tudo, como busca contínua no escutar, captar, interpretar e compreender adequadamente com precisão a chamada da Vontade de Deus, isto é, a Dinâmica criativa do Único Mestre em todas as suas manifestações.

A obediência discipular se distingue nitidamente da mera obediência de execução.

Na obediência de execução não há o elemento essencial do discipulado que é o Disci, o aprender. A obediência de execução, considerada a partir da obediência discipular é uma espécie de acomodação. Faltam-lhe as posturas dis­cipulares descritas nos itens A, B, C, D. A obediência de execução cai facilmente na obediência cega fascista. A obediência religiosa discipular não tem nada a ver com obediência de execução.

É, pois um equívoco fatal interpretar a obediência religiosa discipular como obediência de execução. E o que na espiritualidade da vida consagrada é denominado de obediência de cadáver, se interpretada como obediência de execução, se transforma, se degrada numa espécie de perversão do fenômeno religioso. Pois a plena atenção de ausculta discipular na doação absoluta ao Radical-Outro do encontro, nada tem a ver com o fanatismo nazista ou fascismo militar.

A obediência de cadáver tem tudo a ver com o corpo a corpo de uma doação absoluta na fé e na reverência ao Seguimento do Único Mestre chamado Jesus Cristo, o crucificado, em todas as suas manifestações, decisão de uma luta de vida ou morte no Seguimento.

A obediência como plena atenção de ausculta discipular assume todas as ordens, venham de onde vier, sim mesmo antes de serem ordenadas, dentro da perspectiva da tarefa discipular de descobrir, interpretar e discernir em tudo o desafio de acertar com exatidão o chamado do Único Mestre, na dinâmica do seu agir criativo.

Essa dinâmica dá ao discípulo a medida própria da dinâmica discipular:

  1. f) A superfluência como medida do volume do empenho discipular.

Superfluência significa trasbordante, difusivo de si, cordial. Não mede a busca, não mede o empenho do aprender a partir da medida delimitativa de um dever imposto, mas sim a partir do vigor afirmativo da gratuidade e liberdade superfluente na gratidão, na vontade de corresponder com imensa alegria ao Dom da Gratuidade do Encontro. A nobreza obriga. Obriga na mesma medida na qual o Radical-Outro nos amou primeiro: na Imensidão da Superfluidade trasbordante da sua Doação.

Assim o discípulo encara as adversidades, as dificuldades, as tentações, as contrariedades, as negatividades, enfim o esforço, o trabalho de lutar e de enfrentar as negatividades, não como penas, padecimentos a serem suportados, mas sim como condições positivas e essenciais da possibilidade de doação na liberdade. É uma postura que desconhece o dever como imposição, mas sim conhece o dever e a imposição como direito, apanágio, predileção, privilégio, sim como graça. Tem como princípio de sua ação não a lei do menor esforço, mas sim a lei do maior esforço. Por isso diz com a maior tranqüilidade, com a maior convicção que vem da evidência: “O homem que quer saber muito deve aprender muito e deve humilhar-se muito, abaixando-se a si mesmo e inclinando a cabeça, tanto que o ventre toque no chão” (frei Egídio de Assis, companheiro de São Francisco).

Por isso, na busca da aprendizagem discipular, o discípulo não mede a busca com o tempo ou volume de trabalho já feito, não se condiciona pelas dificuldades e empecilhos que retardam, impossibilitam o progresso. Antes pelo contrário, se coloca de antemão na postura de trabalhar, buscar até conseguir o que busca. Não diz, pois, busco, se conseguir. Diz antes: busco até conseguir. Não pergunta se vale a pena trabalhar, se tem a garantia de receber a recompensa do trabalho. Faz, busca, trabalha uma vez que se engajou, e faz, busca, trabalha decidido a continuar até conseguir o fruto, ou melhor, até que lhe é concedido o fruto. Trabalhar não é um meio, um mal necessário para conseguir um fim; o trabalho ele mesmo já é fim, no sentido de ser ele a plena ação do próprio Seguimento discipular. Por isso, mesmo em grandes dificuldades e sob a pressão de mil contrariedades e trabalhos não se desgasta em preocupações, irritações, impaciências por não conseguir o fim como imaginaria e desejaria.

Esse modo de trabalhar, artesanal e intensamente cordial, não representa a cordialidade como uma vivência afetiva, vibrante e espontânea, mas sim como o entusiasmo da sobriedade tosca, contida, uma força humilde, real e discreta de um operário artesanal, fiel, de uma responsável boa rotina de um bom trabalhador. Evita, pois a euforia do fogo de palha, evita o assumir sofrido tragicamente do voluntarioso que se faz importante e “autêntico” no esforço patético e imediatista do vai-ou-racha, evita a inércia, indolência do resignado ou do acomodado camuflado de fraco e humilde, evita o espontaneismo do carismático esteta e hedonista. Trabalha tenaz e constantemente no ânimo criador, fielmente como alguém que é sempre devedor e que tem o privilégio de poder trabalhar, lutar, aprender e servir.

Essa maneira de trabalhar confere à busca discipular uma técnica de trabalho que podemos caracterizar como infinitude finita ou finitude infinita, e que frei Egídio de Assis descreve como trabalhar em obra e em grande desejo.

  1. g) O grande desejo e a pequena obra discipulares.

O discípulo, quando quer, uma vez decidido, imediatamente simplesmente faz. Querer é fazer. Mas isto significa que ele é onipotente? Realiza tudo o que quer? Querer é poder?

No entanto o discípulo não diz querer é poder. Diz antes humildemente: querer é fazer. Mas pode fazer tudo o que quer?

Sim, mas da seguinte maneira: realiza em obra, muitas vezes pequenina, o que sabe e pode, e em grande desejo o que não pode.

O que significa esta postura discipular?

O grande desejo significa aquela abertura na reverência e positividade absoluta à tarefa proposta. É uma postura na qual jamais está em jogo ou em dúvida a decisão de gostar, admirar, querer, trabalhar o fim, de empenhar-se para conseguir. Essa positividade é colocada não como um dever, não como uma imposição de sacrifício, mas sim como privilégio gostoso, uma grande graça, um dom incalculável: o discípulo paga caro para aprender! Assim, é esse grande desejo que lhe garante de antemão a continuidade do trabalho, lhe garante a ausência de desânimo, lhe garante a eliminação de, sim a imunização contra a toxina do ressentimento e frustração por não conseguir progredir ou não poder gozar de imediato o fruto desejado.

Com outras palavras, ele garante o bom ânimo, a boa atenção, a boa fidelidade, a boa vontade, o bom tônus do trabalho. A dinâmica dessa técnica do grande desejo, o discípulo a cultiva sempre de novo, olhando com grande desejo o fim, se afeiçoando cada vez mais a ele, se esquentando nele, e então, a partir desse esquentamento, faz a obra que pode fazer. Assim, o discípulo não acha pouco demais a pequena obra que ele consegue fazer, agora e aqui, por menor e primitivo que seja o início ou cada passo dessa obra. Ao ver a tarefa se inflama em grande desejo; faz então o que não pode ainda, trabalhando-o, acalentando-o na afeição, e disso que ainda não pode, tenta realizar em obra, real e factual, agora e aqui, aquela parte que ele pode.

Concentra toda a energia acumulada no grande desejo para descarregar esta energia infinita na pequena obra bem finita e determinada da hora presente, como se estivesse rea­lizando a maior obra absoluta da consumação perfeita. Busca, pois o Infinito no Finito, e encontra o finito como infinito.

Esse modo de trabalhar exige do discípulo uma outra postura, digamos pedagógica, referida à sua própria energia essencial chamada vontade. O discípulo assim faz de antemão, como tarefa principal e elementar, o trabalho de cultivar o seu querer, de cuidar da vontade, para que ela cresça de modo adequado, de modo a ser habilitado para a difícil caminhada da aprendizagem.

O querer bem cultivado conforme a dinâmica da aprendizagem discipular se chama boa vontade, isto é, a vontade boa, útil, bem madura, consumada.

  1. h) No discipulado é essencial aprender o cultivo adequado do querer como formação para a boa vontade.

Usualmente entendemos por vontade boa uma vontade forte, inabalável, cheia de querer ativo, de iniciativa própria, produtiva, uma vontade que sabe o que quer e o que sabe, um querer autônomo. Essa modalidade de querer, quando exacerbada, se revela como um querer voluntarista, um querer que no fundo tem a pretensão de ser um dia onipotente, conta só consigo, quer tudo assegurar só a partir de si: querer é poder.

Essa modalidade do cultivo do querer o medieval chamava “fazer a vontade própria”, isto é, elaborar, trabalhar para criar o tipo de vontade chamada vontade própria.

No discipulado do Seguimento de Jesus Cristo esse tipo de formação da vontade é rejeitado por ser ineficaz, insuficiente e, principalmente, inadequado para habilitar a vontade para poder corresponder, para poder topar a parada das exigências do Seguimento.

No entanto, essa exigência maior não vai na linha da potencialização ou escalação do querer como poder da vontade própria, mas sim em se querer um modo de fazer crescer a energia do querer em direção a um querer cujo ser não é voluntarista, centrado, enraizado no pequeno eu do sujeito homem, mas sim enraizado na imensidão do Tu absoluto; um querer obediente, aberto, flexível, disposto, capaz de fluir vigorosamente no influxo de uma força maior e anterior, cuja imensidão, sutileza e profundidade ultrapassa a grandeza do Céu e da Terra. Elaborar artesanalmente, isto é, formar um tal querer disponível e disposto à transcendência do Deus de Jesus Cristo, o medieval chamava de “fazer a Vontade de Deus”, isto é, trabalhar um querer que consegue querer como quer o próprio Deus.

Para que o querer humano se transforme numa Boa Vontade desse quilate é necessário muito empenho, muito trabalho tenaz, constante e bem orientado; é necessária a decisão de se educar, de exercitar a vida inteira, mas também é necessária principalmente uma clara e nítida compreensão de que o pivô da questão para onde se deve concentrar todo o cuidado e toda atenção, está em se cultivar um imenso, largo e generoso ânimo, não de dominar, não de ser perfeito, de poder, mas sim o ânimo, a disposição, a vontade de receber, captar, acolher, se dispor, fluir na Vontade maior, na Vontade de Deus, isto é, na dinâmica do Deus de Jesus Cristo.

Daí a importância de acentuar como prioritário o exercitar-se no cultivo das virtudes, isto é, das forças constitutivas da boa vontade, como humildade-terra a terra, fortaleza nas adversidades, docilidade vigorosa, obediência inteligente, paciência tenaz e resistente, forças essas denominadas de “virtudes passivas”, que longe de serem “passivistas” são na realidade forças fundamentais ativas que possibilitam uma cordial recepção de forças que ultrapassam a nossa possibilidade; são, pois forças radicais que estão na raiz de todas as nossas atividades e passividades que procedem do nosso pequeno eu.

O processo educacional desse cultivo da vontade que é hábil em fazer a Dinâmica Divina, exige que se evite dois desvios da formação da vontade que frustram o crescimento da Boa Vontade: o voluntarismo e o espontaneismo, dos quais já falamos acima. Em diferença com essas modalidades desviadas do cultivo da vontade, o discipulado tem uma formação artesanal, discreta, decidida, exigente, sóbria e paciente da vontade, exercitada no corpo a corpo do próprio perfazer-se do Seguimento de Jesus Cristo em todas as manifestações e vicissitudes da vida humana.

Textos:

Alguns textos a serem lidos, onde estão implícita ou explicitamente colocadas as questões que nos interessam nessa reflexão acerca do discipulado.

Ad 6: Da imitação do Senhor

Questão: a vida consagrada franciscana é discipulado

DE 19: Da Religião e da sua segurança

Questão: um caminho real, andado, se não visto panoramicamente, é único, singular, dentro e a partir do qual, se assumido até a consumação, se abre uma medida universal.

CM;  LTC 6

Questão: a formação do discipulado do seguimento de Jesus Cristo não é conhecimento nem habilidade, mas luta corpo a corpo na seriedade mortal.

LTC, examinada na estrutura do crescimento do seguimento, de etapa em etapa.

Questão: a formação discipular é essencialização.

Atos 7 (IFioretti8): Da perfeita Alegria

Questão: a formação discipular como dinâmica de transcendência.

Ad 2 e 3

Questão: a formação discipular do querer como não fazer a própria vontade.

DE 2: Da fé e da incompreensibilidade de Deus.

Questão: a fé como positividade absoluta.

DE 10: Do combate das tentações.

Questão: o principio da formação discipular como a lei do maior esforço.

DE 16: Da ciência útil e inútil e dos pregadores da Palavra de Deus.

Questão: a necessidade de se colocar bem, na evidência de ciência útil, na formação discipular.

VJ 11: Como uma vez Frei Junípero fez comida aos frades para quinze dias.

Questão: a formação discipular, um trabalho artesanal.

VJ 7: Remédios contra a tentação da carne;

VJ 4: Como Frei Junípero dava aos pobres a túnica toda ou parte e o que podia;

VJ 1: Como Frei Junípero cortou o pé de um porco, somente para dá-lo a um enfermo.

Questões: nesses textos ocorrem dicas entrecruzadas para:

– a reverência discipular

– a positividade discipular

– o rigor crítico da positividade e reverência discipular

RB 2; RNB 2

Questões: A formação e suas etapas

Há impossibilidade de hoje recuperar na prática a formação discipular?

         Todo e qualquer contato mais aprofundado com os textos da primitiva espiritualidade da vida consagrada, faz ressaltar nitidamente a importância do Discipulado como caminho necessário para a formação, isto é, essencialização da Vida Consagrada. Trata-se de uma existência, isto é, da decisão do sentido da vida, um posicionamento livre perante a vida altamente trabalhado, exigente. De tal sorte que tal existência discipular nos pode aparecer como uma obra prima, boa para ser admirada, mas no fundo inútil e imprática, por ser impossível de ser realizada pelos homens de hoje tão influenciados e condicionados pela civilização de consumo cujo princípio básico é a lei do menor esforço.

         No entanto, tal objeção, hoje tão freqüente nos meios de formação, não somente na formação para a vida consagrada, mas também na formação para outras profissões, não pode ser aceita sem mais nem menos como ela representasse a realidade verdadeira do que denominamos o mundo de hoje.

         Se, pois examinarmos o mundo de hoje, não naquilo que a publicidade gosta de alardear como atualidade, através dos meios de comunicações manipulados, se descermos ao subterrâneo da nossa civilização científico-tecnológica, lá onde estão em efervescência lutas, conflitos, confrontos ideológicos, tentativas de pesquisas, elã revolucionário, imensa labuta de planejamento, etc. etc. começamos a divisar no funda das aparências superficiais do consumo, uma tremenda determinação e um acionamento tenaz, constante, inquebrantável de transformação e progresso que nos esboçam uma existência muito semelhante à disciplina da existência discipular.

Conclusão

         E então, surge uma pergunta com a qual terminamos estas reflexões avulsas acerca do discipulado:

         Não é exatamente hoje, diante do gigantesco desafio da época vindoura, que mais do que nunca exige um tipo de homem, cuja existência deve estar caracterizada pela autonomia, responsabilidade de ser, pelo ânimo intrépido e generoso, cuja existência deve crescer na largueza e na complexidade que abrange o universo cada vez mais em expansão?  Não é exatamente hoje que estamos no tempo oportuno de tentar recuperar o discipulado como uma forma originária, não do passado, mas sim de ontem, hoje e amanhã, por ser a forma de existência vivida e entregue à cristandade como preciosa herança dos filhos de Deus?

         Mas, de onde vem tal objeção da impossibilidade do discipulado hoje, tão comum nas nossas discussões?

         Não é assim que nós religiosos deixamos de querer pertencer ao grupo de homens que estamos ao serviço duro e necessário dos operários da Nova Era?

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