Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Introdução à metafísica – VII

19/04/2021

 

O retraimento do filosofar como uma ação humana toda própria para dentro do abismo da obscuridade da essência do homem

  1. Metafísica como disciplina filosófica é uma ação humana chamada o saber. Trata-se de uma ação que se caracteriza como campanha, operação, mobilização de busca; para além de todo o sensível, busca do mundo supra-sensível: metà ta physiká.
  2. Mas, por ser uma mobilização total, o seu modo de ser todo próprio só pode ser captado a partir dele e nele mesmo. Isso se disse com outras palavras, quando na aula anterior o assinalamos como sendo: incomparabilidade da filosofia. Filosofia não é ciência positiva, não é arte, não é religião; não pode ser captada por nenhuma ciência positiva, principalmente não pela historiografia.
  3. Mas deve ser captada corpo a corpo, de modo imediato e direto, sem máscaras, sem mediações, de frente, encarando-se e encarando-a, engajado totalmente à sua causa: filosofia é filosofar.
  4. Filosofia é filosofar, é ação, é praxe total, é ser totalmente no pragma. Aqui distingamos essa praxe da prática de outros afazeres que não possui a força da presença e inter-esse da disposição livre e generosa do engajamento por uma causa.
  5. Por isso, fizemos referência dessa definição filosofia é filosofar, dessa disciplina filosófica à éthica (éthos; Platão, Aristóteles); ao estádio ético (Kierkegaard), e à necessidade livre; e tiramos a conclusão de que filosofia ou metafísica é o modo de ser fundamental do ser humano, é o ânimo, a alma, a disposição de fundo do ser humano, é a tonância básica do nosso ser ele mesmo: é a coisa ela mesma, é a causa do ser humano, é a essência do homem, a humanidade.
  6. Essa determinação da filosofia de ser, ela mesma, faz com que ela não possa ser classificada dentro dos padrões das coisas e dento das categorias que já conhecemos. Assim somos desafiados a abordá-la de frente, dispostos a deixar ser a filosofia como ação, como filosofar a partir dela mesma e nela mesma. Esse querer e mover-se da filosofia a partir dela e nela mesma possui o caráter, o cunho de um retrair-se. Retrair-se dela mesma, para dentro de si, como movimento de se adentrar para dentro da sua identidade maior, mais profunda e mais absoluta dela e nela mesma, a saber: para dentro de uma disposição de fundo do próprio ser humano, ela mesma.
  7. Como caracterizar o som dessa identidade íntima e toda própria do ser humano? A tonalidade dessa identidade a mais vasta, comum e universal, a mais profunda e radical, a mais dinâmica e criativa do ser humano? Esse fundo e profundo núcleo do ser humano, ao seu primeiro contato é um toque da obscuridade no abismo da essência do homem, do mistério do ser humano.

A determinação da filosofia a partir dela mesma, tomando como fio condutor uma sentença de Novalis.

  1. Novalis, pseudônimo do Conde Friedrich Leopold von Hardenberg, poeta alemão do período da pré-romântica, 1772-1801. Obras: Blauen Blumen (Flores azuis); Hymnen an die Nacht (Hinos à noite); Die Christenheit oder Europa (Cristidade ou Europa); Fragmente (Fragmentos) etc.

A sentença de Novalis que usamos como fio condutor está num dos fragmentos dos Schriften (Escritos), org. W.  Christ, Leipzig, 1886, A2, 983a3) e diz: A filosofia é propriamente uma saudade da pátria, um impulso para se estar por toda parte em casa.

  1. Estranha-se, aqui, usarmos uma sentença poética para definir melhor a filosofia, a partir dela e nela mesma:
  • Tendência transcendental do romantismo alemão
  • Distinguir essa tendência transcendental do romantismo da tendência fideísta, pietista, misticista e psicológico-subjetivista da religiosidade, hoje.
  • Deixando de lado os pré-conceitos perguntemos:
  1. De que se trata, quando Novalis define a filosofia e diz: A filosofia é propriamente uma saudade da pátria, um impulso para se estar por toda parte em casa.
  2. É um impulso. Para se estar por toda parte em casa.
    • Se esse impulso é saudade e é próprio da filosofia, então, isso significa que a filosofia ainda não está por toda parte em casa.
    • O que busca esse impulso? Estar em toda parte, em casa.

– não apenas aqui e acolá

– não em qualquer lugar, aqui depois ali, como se os lugares estivessem todos juntos, um depois do outro. Ilustrar o fenômeno com o peso da construção de um prédio.

  • Estar em toda parte em casa significa: na totalidade como todo e inteiro, no tempo e no espaço, velado e desvelado como todo. Esse tipo de totalidade se chama mundo.
  • A pergunta: O que é isso – o mundo? É o impulso de estar em toda parte em casa.
  1. Esse modo de ser do fundo do ser humano, i. é, a saudade de estar em casa em toda parte possui um tesouro muito precioso e único que deve ser compreendido, acolhido e guardado com muito cuidado e precisão; pois a filosofia, sobretudo sob a denominação de metafísica, se afastou, na sua história, desse tesouro, a ponto de colocá-lo totalmente no esquecimento como o limitado, o carente, como a privação do infinito; privação essa que deve ser superada, para além da qual deve-se transcender, para o infinito, para o absoluto. Dito de outro modo, nós sempre já chegamos atrasados ao início do nosso ser, i. é, de estar em toda parte em casa. Por isso, estamos já de antemão na saudade. O impulso-saudade de estar em toda parte em casa está já sempre a caminho, somos impulsionados a modo de avanço, de sermos empurrados a ir para frente, para a totalidade e ao mesmo tempo puxados para trás, para um peso, repousamos sob um peso que nos empurra para baixo. A caminho da totalidade! Nós mesmos somos este “a caminho”; essa travessia, essa passagem, esse nem um nem outro, nem isso nem aquilo. O que é, pois, essa inquietude do não? Nós a chamamos de finitude. Surge, pois, a questão, somos colocados na questão: O que é isto – a finitude?
  2. Assim, temos imensa dificuldade de ser esse tesouro de já termos nascido na privação, no limite, na imperfeição, na carência do infinito: da totalidade, como que saindo do nada, buscando com veemente e profundo anelo a complementação, o retorno à origem, a salvação, um mundo novo, realização, o sobre-natural, o céu, o mundo supra-sensível. Ou, com outras palavras, temos imensa dificuldade de acolhermos essa finitude como o modo fundamental, como o fundo do nosso ser. Pois, o consideramos como o que deve ser superado, como o que deve ser transcendido: de ser colocado no movimento de ir para além, ser meta ta phisiká. Por isso, diz Martin Heidegger, em Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão (Rio de Janeiro: Forense universitária, 2003, p. 7-8): “Finitude não é nenhuma propriedade que se encontra apenas atrelada a nós. Ela é o modo fundamental de nosso ser. Se quisermos vir a ser o que somos, não podemos abandonar essa finitude ou nos iludirmos quanto a ela. Muito ao contrário, precisamos protegê-la. Esta guarda é o processo mais interior de nosso ser-finito; ou seja, nossa mais intrínseca finitização. Finitude só é no interior da verdadeira finitização. Nessa finitização, contudo, consuma-se por fim uma singularização do homem em seu ser-aí. Singularização não diz, aqui, que o homem se calcifique em seu eu diminuto e ressequido, neste eu que se espraia junto a isso ou aquilo, que ele toma como sendo o mundo. Essa singularização descreve muito mais aquele ficar só, no qual todo e qualquer homem se vê pela primeira vez  nas proximidades do que há de essencial em todas as coisas, nas proximidades do mundo. O que é esta solidão, na qual o homem sempre e cada vez vem a ser como um único?” Somos assim colocados para dentro da questão: O que é isto, a singularização?

O pensar metafísico vive e se movimenta no âmago do conceito que atinge a totalidade e em atingindo a totalidade atravessa total e plenamente a existência humana.

A metafísica como ela é constituída enquanto disciplina filosófica aparece exotericamente como matéria de ensino e aprendizagem e pesquisa a modo de ciência positiva; mas ao mesmo tempo se move como o aprofundamento das pressuposições de todo e qualquer saber positivo, inclusive e principalmente de si mesma, enquanto aparece exotericamente a modo de ciência positiva ou mundividência.

A dinâmica do encaminhar-se da metafísica para o fundo de si mesma deixa rastros de seu aceno como conceitos fundamentais, a saber, como concepção e gestação do fundo do pensar metafísico. Esses conceitos não são representações, não são padronizações, mas vislumbre de todo um mundo, de uma paisagem da totalidade em sendo. Conceito aqui pode ser considerado como uma fenda, uma rachadura, uma aberta, através da qual se vislumbra a nova vida, qual visão jamais vista, que salta do abismo da possibilidade de ser, como mundo, percutindo no ser do homem como existência, como decisão do desvelamento da possibilidade de um determinado sentido do ser.

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