– Na formação, o que importa é um trabalho sério, real e possível de ser executado
– No próprio pensar ser mais finito
– Olhar muito mais o modo de discutir
– Cada qual no seu galho
Jaraguá, 05/11/85
Frei Antônio.
Muito obrigado pela sua carta. A você também a Grande Bênção do Senhor que vem através do Jesus Cristo de S. Francisco!
1. Quanto ao convite dos professos11. Achei bom você se ter arriscado e aceitar o convite. No entanto, se você estranhou, é sinal que pode haver algo não muito definido. É perigoso entrar ali de peito aberto.
Assim sendo, que tal se você, depois que aceitou, conversar com Valdir12 e expor a sua estranheza e sondar a realidade. E se preparar, preparar a reflexão sabendo onde pisa. Pode ser que é Valdir que quer. Mas se é assim, o que quer ele, e por que? Pode ser que os professos não querem; pode ser que uma parte quer e outra não, etc. etc.
Agora, independente dessa sondagem anterior, a própria reflexão: (Regra, Testamento e o livro ‘formação para a VR hoje’, principalmente o último capítulo) poderia se orientar por essa bibliografia dada por Valdir que se não me engano é algo oficial.
Com outras palavras, estudar bem o último capítulo do livro, e ver ali nos apelos de hoje (!) que realmente podem ser atuais e atuantes, um tom comum, sério, muito desafiante, exigente, e então mostrar que, em S. Francisco tem elementos e convites para cultivar o Espírito, isto é, a força, a real capacidade humana, para realmente podermos realizar tais tarefas.
Com outras palavras, você não discute o sistema, nem forma, nem trabalho
de pastoral, formação, nada disso você discute. Não questiona os sistemas, nem os
“convites” da ‘Igreja’ “hoje”. Não ironiza, não contrapõe hoje com ontem. Toma a
sério o hoje (espero que o documento “formação para a Vida R. hoje”, traz os
apelos de hoje). Mas, fala do Espírito que essa exigência de hoje requerem, exigem,
para que realmente possamos estar aptos a assumir essas tarefas.
E deixa as discussões concretas ao encargo dos outros.
É bem possível que então a turma vai atacar o modo de você formar a
turma no noviciado. Deixa atacar tudo. Pede então sugestões. Anota-as. Depois vai
perguntando em concreto, com horários e tudo como realizar tudo isso. E se você
vê que são absurdas (e em geral o são) porque tanta coisa a gente não consegue
fazer num ano, você diz porque você não consegue fazer tudo isso, e expõe como
você faz. E diz à turma que para você o que importa não é nem moderno ou
antigo, não é nem isso ou nem aquilo, mas sim que em determinada situação
concreta da Província, do pessoal, do tempo disponível, o que importa a você é
que se faça um trabalho sério, real (não imaginado!), possível de ser executado. (E
sacode o pó das sandálias, se não entenderem!…).
Não conheço bem a sua Província.
Mas, se for como a nossa13, a questão principal é falta de liderança. Uma
organização como a Província, não basta ter um agradável fraternismo. Não basta
ter democracia. Deve haver uma liderança de orientação de concretas formas de
atuação e linhas de formação que não fique simplesmente ao encargo de debates
idiotas e infantis, que só usam palavras grandiosas e no fundo só camuflam as
irresponsabilidades ou infantilidades.
O problema é como fazer, pois a falta de liderança é um fato e não adianta constatá-la, se a gente não sabe como fazer para melhorar.
Mas talvez, o primeiro passo para isso era de todo o mundo fraternalmente,
mas realisticamente combinar, para convirmos num ponto: na necessidade de em
vez de ficar debatendo que nem barata tonta, discutir com mais realismo, pois as questões como de formação que, por mais prioritária que ela seja, é uma questão que depende de uma outra questão: até que ponto a Província está disposta a determinar e acatar e levar a sério uma orientação combinada em conjunto, tirando conseqüência dessa combinação. E para isso é necessário ser humilde e realista, e em vez de discutir em vasta extensão, primeiro discutir o sistema, a organização do que está ali como Província. A pastoral pode muito bem funcionar sem a base Provincial (aliás cada qual trabalha de diferentes maneiras); a Vida Comum, Vida fraterna, funciona sem a base provincial; a formação, porém, não funciona, se não houver ao menos nos pontos básicos, uma união de pensamento e de sentimentos.
Não basta a cúpula estar apoiando o mestre, e no entanto fica confusa na orientação que guarda. É necessário colocar em todas as etapas da formação pessoas que são boas, que estão unidas, que lutam e buscam o mesmo tipo de seriedade, e que estejam de acordo, não nas idéias uniformes, mas sim, no método. Método que cobra realisticamente o que exige.
Enquanto não se discutir isso, é como ficar reparando as rachaduras do teto e das paredes dos andares superiores, sem se incomodar com os fundamentos do edifício e suas estruturas.
Essas coisas você não pode dizer sem mais nem menos, mas talvez, na maneira não polêmica de a gente refletir, poder-se-ia ter essa observação bem consciente, para que quando o próprio grupo enxergar tudo isso, ampliá-lo com reflexão.
2. Quanto a seu modo de ser: (eu não gosto de tudo isso, sabe, isto é, de corrigir os outros, mas já que você diz para eu dizer) você diz: “há momentos em que dá vontade de largar tudo e começar outra vida”.
Sabe, não acho inteligente você brincar com esse tipo de vontade.
Sabe por que? Porque, no fundo, é uma vontade irreal.
No duro, começar assim, querer começar assim, não pode ser sério. Ou é realmente sério? Sério significa: para valer. Aqui tanto faz se eu não consigo isso porque sou covarde, tenha medo de dar esse passo por causa dos outros, etc.
O que importa aqui é, deixando de lado todas essas sofisticações psicológicas, se realmente quer recomeçar a Vida, completamente de novo, bem diferente.
Não tenho coragem, mas gostaria? Então, não quer.
Queria sim, mas já estou velho? Então, não quer.
Isto significa: por menos consciente que eu tenha vivido ou viva, os anos que viemos vivendo é uma realidade, é a realidade.
Se eu quero, se eu devo querer uma coisa, só querendo primeiro essa realidade é que eu posso me assentar para então me decidir.
Com outras palavras, não é muito inteligente dar importância às vontades que na realidade não podem ser, não são, não foram, jamais serão. Problema é, pois, de no próprio pensar ser mais finito. A finitude é realismo: pobreza material da nossa própria história, aqui e agora. É necessário, porém, descobrir, sentir um gosto emocional nesse assentar-se na finitude. E não considerá-lo como privação da Felicidade.
3. Talvez, nas discussões que você fizer nas reflexões com os seus confrades, experimente olhar muito mais o seu modo de discutir.
Com outras palavras, acho que nós subestimamos o método de discussão, olhando de mais nos conteúdos.
Com as pessoas que estão bastante livres da subjetividade, não há problema, você discutir sem se incomodar com o modo como a gente discute. Mas, a turma hoje é tão subjetiva que é necessário olhar muito a forma, tempo de deixar o outro falar, demorar em responder, responder de modo o menos incisivo possível para deixar margem a outras possibilidades, mesmo que sejam elas bobas, etc.
Experimente, pois, bancar o lento, menos ativo, menos voluntarioso, mas calmo, reflexivo, sempre reagindo um pouco depois dos outros, isto é, como na esgrima japonesa se diz: não antecipar a ponta = ataque; evitar de usar termos que
já se constituíram a marca registrada do CEFEPAL14, no uso dos termos jamais trair a própria firma, variar muito as expressões, falar como todo mundo fala, mas com conteúdo mais profundo, etc. etc.
É que as pessoas estão hoje acostumadas a não comprarem coisa boa, o alimento natural, se não tiver um embrulho ao menos um tanto “enfeitado”. Aliás isto não é para agradar ao freguês, mas para a própria reflexão adquirir mais fluidez, flexibilidade e disposição.
Concluo…
Para o seu consolo, embora consolo de pobre. Nós, em Rondinha15, estamos apanhando que nem cachorro vira-lata. Nomes que dão a nós: Pedagogia de medo; campo de concentração; decepador de lideranças; incubadores da burguesia….!
Em Novembro no Capítulo Provincial os representantes daqui vão ter que engolir cobras e lagarto. O que há de fofoca sobre a gente, só comparando com Ibraim Sued16 … Já imaginou: em 3 anos parece que já saíram (ou foram saídos) uns 40! A Província diz: Pô! Não tá vendo?! 40! Alguma coisa está podre na
Dinamarca!… Mas nós cá da ‘Dinamarca’ dizemos: a Dinamarca não está em Rondinha; está, sim, antes…
Ah, quem nos dera, tivéssemos um mestre de noviços como os conventuais tem!…Não quer passar para a nossa Província?… mas para ficar Mestre de Noviços!…
Mas tudo isso está parecendo “dar vontade de largar tudo e começar outra coisa”, não é?
Por isso, é melhor, voltarmos à nossa realidade de cada qual no seu galho, com todos os galhos que ele contem, mas que é galho onde a gente criou uma moradia = ethos, em grego.
Você é sempre bem vindo lá em casa, digo lá porque estou escrevendo de Jaraguá. Venha quando quiser e puder. Pode tranquilamente morar conosco, quanto tempo quiser. A você todo o Bem!