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O Sagrado Coração de Jesus é uma solenidade do Senhor que ocorre no tempo comum e nos mostra que é, também, no comum, no cotidiano, no ordinário da vida que devemos viver o essencial de nossa fé, o amor.

Deus, desde o princípio, desde a origem do universo e da origem de cada um de nós, ama e cuida. Deus que ama suas criaturas quer se comunicar e estar em comunhão com elas. Busca de tal modo essa comunhão que não se valeu de sua condição divina (cf. Fl 2, 6). Enviou seu Filho ao mundo. Encarnou-se e habitou entre nós (cf. Jo 1, 14), como homem, em tudo semelhante a nós (cf. Fl 2, 7).

Deus sentiu fome, medo, incertezas, dúvidas, alegrias, esperança, fé, satisfação e tudo o que uma pessoa comum sente. Em sua paixão, fica evidente que Deus não faz reservas quando se trata de suas criaturas. Em sua paixão, foi humilhado, blasfemado, injuriado, agredido, caluniado, pregado numa cruz e morto. Entregou-se a si mesmo por amor a nós. O justo morreu pelos injustos (cf. 1 Pd 3,18).

Nesses tempos de pandemia da COVID-19, muitos dos sentimentos e experiências que temos vivenciado se aproximam da experiência de Cristo na sexta-feira santa. Sentimos medo, incertezas, tristeza, muitas vezes nos sentimos sozinhos. Distanciamo-nos de nossos amigos e nossos familiares.

Por conta da pandemia, nos isolamos socialmente, mas não o fazemos porque queremos, e sim porque pensamos no bem comum, na salvação de todos. Contudo, isso não quer dizer que não haja aí um sacrifício e um sentimento de solidão. O próprio Cristo no momento derradeiro estava sozinho numa cruz, abandonado, sem muitos de seus amigos e de seus familiares. O que podemos nos perguntar, assim como Cristo perguntou: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? (cf. Mt 27, 46).

Esse abandono ou sentimento de solidão não é, contudo, a realidade última desses tempos e de nossa vida. Essa não foi a realidade última de Jesus. Cristo abandonado pelo mundo, não estava abandonado por seu Pai. Deus é Pai que sempre acolhe, sempre cuida e ama. Mesmo que isso não seja tão evidente aos nossos olhos. No terceiro dia, Ele ressuscitou Jesus dos mortos, estendendo essa salvação a todas as pessoas. Aguardamos, ansiosamente, por esse terceiro dia.

Outras pessoas, no entanto, faleceram em decorrência da pandemia e do descaso com a vida. Na maioria desses casos, não foi possível receber os sacramentos do perdão e o viático, sequer foi possível realizar o velório, enterrá-las de maneira digna, dar um último adeus. Sofreram até o último momento, por vezes foram negligenciados, tratados de maneira injusta. Contudo, Deus, que viveu com coração de homem, se apieda e tem misericórdia desses. Ele conhece as suas dores, seus sofrimentos, suas angústias, suas tristezas, sentiu a injustiça na pele, sentiu-se abandonado e conheceu a morte. Identificado a tal ponto com todos esses, Ele oferece o seu coração, machucado, aberto, cheio de perdão, misericórdia e amor, como um pai que acolhe os filhos em seus braços, que se reconhecem mutuamente na eternidade.

Na cruz, de seu lado, jorrou sangue, sangue de tantos que faleceram da COVID. Mas também jorrou água. Como nos diz o profeta Ezequiel: borrifarei água em vós e transformarei vossos corações de pedra em corações de carne. Isto é, a água da conversão, da mudança interior e exterior (cf. Ez 36,25).

Essa é a água necessária para que todos sejam salvos, não porque lhes foi imputado sofrimento e morte, mas porque promovem a vida, disponibilizam vacina, cuidam uns dos outros. Não apenas com discursos ou palavras. Mas com uma fé que se comprova com obras (cf. Tg 14, 18). É necessário livrar todos desse jugo de morte, e dar-lhes o jugo da vida. E desse modo, teremos um coração de carne, aberto, manso e humilde, semelhante ao de Deus.

Postulante Yure de Oliveira Telles Souza