O “Em Fraternidade” deste mês franciscano recebe com muita alegria Frei Jean Carlos Ajluni Oliveira que atualmente faz seu mestrado na área de Teologia na Terra Santa, mais precisamente em Jerusalém, no Convento Franciscano de São Salvador, para falar sobre a Terra Santa e São Francisco.
O mineiro Frei Jean Ajluni é natural de São José da Barra, em Minas Gerais, onde nasceu no dia 8 de julho de 1979. Fez sua Profissão Solene em Petrópolis (RJ) no dia 6 de dezembro de 2014 e foi ordenado presbítero no dia 21 de novembro de 2015, pelo então bispo diocesano de Bauru (SP), Dom Caetano Ferrari, em sua terra natal. Na ocasião, foi enfático ao afirmar que aquele ‘era o dia mais feliz de sua vida’.
Frei Jean explica que a presença franciscana na Terra Santa é garantida pela Custódia da Terra Santa, uma entidade da Ordem dos Frades Menores. Segundo ele, os frades realizam com seriedade e empenho o encargo recebido da Igreja. “É um trabalho de se admirar”, revela o frade franciscano.
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No ano de 2019, poucos meses antes do início da pandemia que iria surpreender o mundo, cheguei na Terra Santa, mais precisamente em Jerusalém, no Convento Franciscano de São Salvador.
Os frades estão nos lugares santos desde os primeiros anos do movimento franciscano. Chegar aqui no ano de 2019, ainda nas comemorações dos 800 anos do encontro de São Francisco com o Sultão, que marca de certa forma o início da presença franciscana na Terra Santa, foi de fato uma feliz coincidência.
Este ponto geográfico no mundo, dado sua importância histórica e religiosa para toda a humanidade, naturalmente exerce fascínio na maioria das pessoas, e comigo não foi diferente. Sempre fui fascinado pela Terra Santa, me lembro dos primeiros anos no Seminário Santo Antônio de Agudos (SP), onde conheci um frade que havia estudado na Terra Santa, ele apresentou aos seminaristas de então, entre eles eu, algumas fotos e vídeos sobre a Palestina e falou de sua experiência. Descobri que como frade franciscano, talvez um dia teria a oportunidade de estar na Terra Santa, e este dia realmente chegou.
A presença franciscana na Terra Santa é garantida pela Custódia da Terra Santa, uma entidade da Ordem dos Frades Menores, como as demais províncias da Ordem espalhadas pelo mundo. Aqui com a particularidade de ser uma entidade essencialmente internacional. Segundo as constituições franciscanas, cada província do mundo deve enviar algum de seus frades para prestar serviço na Terra Santa, além daqueles que são admitidos na Ordem diretamente pela Custódia da Terra Santa e pertencem juridicamente a esta. Esta presença internacional e multicultural, é sem dúvidas, o maior testemunho franciscano nestas terras. Em um lugar marcado por intermináveis disputas territoriais e religiosas, viver juntos como irmãos mesmo sendo de proveniências, línguas e culturas tão distintas, é dizer a todos que a fraternidade é possível.
Quando fui convidado a partilhar minha experiência aqui na Terra Santa para o Conexão Fraterna, me foi pedido para escrever sobre a relação da Terra Santa com São Francisco. Pensei bastante sobre isso, pois além da presença de mais de 200 frades, o marrom do hábito nas Igrejas e ruas da cidade antiga, e as celebrações das festas litúrgicas franciscanas, aqui se fala muito pouco ou quase nada de São Francisco. O que escreveria então?!
Faço algumas tentativas. Em primeiro lugar, o testemunho de fraternidade, como já disse. Desde que entrei pela primeira vez no refeitório do Convento de São Salvador, em Jerusalém, que conta com mais de 80 frades, vindos de todos os continentes, rezando, conversando, sorrindo em torno à mesa, senti que a mensagem de Francisco estava ali. Seus filhos continuam sendo testemunhas de fraternidade e de paz.
Por segundo, a relação dos frades com o povo também é outro elemento importante. Existem outras ordens e congregações religiosas na Terra Santa, além do Patriarcado Latino, a Diocese de Jerusalém, com o seu clero. Mas para o povo, o rosto da Igreja é o rosto dos Frades que há 800 anos participa de suas vidas, os sustém com o pão da Palavra e com pão material, necessários para a vida. A grande maioria dos cristãos locais, conseguiram permanecer aqui, graças ao trabalho dos frades. A Custódia da Terra Santa, com ajuda de todas as províncias do mundo, consegue subsidiar moradia para uma grande porção de fiéis cristãos árabes, como também educação básica e superior de qualidade, assistência social, segurança alimentar – especialmente no período complicado da pandemia -, entre outras inúmeras atividades assistenciais e culturais em diversos níveis. Aqui os frades, desde que recebem o hábito, são chamados pelo povo de Abuna, que em árabe significa, nosso pai. De fato, os frades nestes séculos tem sido pais cuidadosos para a comunidade local.
Por fim, destaco o serviço litúrgico e a acolhida dos peregrinos. Não vejo outra Ordem que teria tanta flexibilidade e abertura para abraçar o diferente, que aqui é rotineiro. Antes da pandemia o fluxo de peregrinos nos santuários franciscanos, que guardam a história e a memória dos passos de Cristo, de sua vida, morte e ressureição, era impressionante. E ali sempre um frade, que fala a língua do peregrino, acolhe, cuida e com sua presença garante a possibilidade da visita. Caso não fosse a dedicação centenária dos frades franciscanos, muitos destes lugares já teriam sido ocupados por outras confissões religiosas e a visita dos cristãos provenientes de todas as partes do mundo, seria praticamente impossível. Como aconteceu há um certo número de Igrejas bizantinas que foram destruídas ou transformadas em mesquitas, impossibilitando assim o acesso de cristãos.
A liturgia, por sua vez, figura como o principal trabalho dos frades nestes lugares. Todos sabemos o cuidado que São Francisco dispensava a liturgia, quando lemos por exemplo o trecho da Carta a Toda Ordem: “Por isso, rogo a todos vós, irmãos, com o beijo dos pés e com a caridade que posso, que manifesteis toda reverência e toda honra, tanto quanto puderdes, ao Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor nosso Jesus Cristo, em quem as coisas que estão no céu e as que há na terra foram pacificadas e reconciliadas com o Deus onipotente (cfr. Cl 1,20). Rogo também no Senhor a todos os meus irmãos sacerdotes, os que são e serão e desejam ser sacerdotes do Altíssimo, que todas as vezes que quiserem celebrar a missa, puros com pureza façam com reverência o verdadeiro sacrifício do Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor nosso Jesus Cristo, com intenção santa e limpa, não por alguma coisa terrena nem por temor ou amor de alguma pessoa, como para agradar aos homens”.
O serviço litúrgico nestes lugares foi dado a Ordem como um encargo em nome de toda a Igreja, desde o início da presença franciscana, quando em 1342, o Papa Clemente VI com as bulas Gratia Agimus e Nuper Carissimae, reconhece e confia os lugares santos a Ordem dos Frades Menores. Na referida bula papal encontramos as seguintes linhas: “Para que os frades de vossa Ordem possam habitar continuamente na Igreja do mencionado sepulcro e também lá celebrar solenemente as missas cantadas e o Ofício Divino, visto que já se encontram alguns frades desta Ordem naqueles lugares”.
De fato, os frades realizam com seriedade e empenho o encargo recebido da Igreja. E apesar de inúmeras guerras no decorrer da história, trocas de governos, no passado perseguição e violência, no presente, pandemia generalizada, o serviço litúrgico nunca foi interrompido ou descuidado. Confesso que não consigo acompanhar todas as atividades litúrgicas aqui. As missas e procissões diárias no Santo Sepulcro e na Gruta da Natividade, a Via Sacra todas as Sextas-feiras – no meio dos muçulmanos e judeus ortodoxos que se incomodam bastante com os frades na rua rezando. Alguns até cospem nos frades -, o Angelus solene todos os dias ao meio dia na Gruta da Anunciação em Nazar, entre outras ações litúrgicas ordinárias ou solenes. É um trabalho de se admirar. Reconheço especialmente a dedicação dos confrades estudantes de teologia, também eles provenientes de todas as partes do mundo, de forma especial do continente africano. Sem os estudantes certamente a liturgia não teria o brilho que tem.
E assim, já terminando esta minha breve partilha, penso que foi possível sim, falar sobre São Francisco e a Terra Santa. De fato, ainda que não se fale muito explicitamente de Francisco, a presença, vida e atividade dos filhos de São Francisco nestas terras falam do franciscanismo de modo eloquente. Para mim é uma graça poder estar aqui nestes tempos de estudo, sou e serei eternamente grato a Deus e a Ordem dos Frades Menores, sou grato de forma especial a Província da Imaculada Conceição do Brasil por ter me dado esta oportunidade. Espero que todos meus confrades que desejam conhecer, visitar ou mesmo servir nos lugares santos, possam ter igualmente uma oportunidade.
Termino dizendo, como sempre digo a todos que me perguntam como é viver na Terra Santa: não nos esqueçamos, toda a Terra em que o Evangelho se tornou forma de vida, é Santa. E mais, sinto muita falta da minha: O Brasil, Terra de Santa Cruz!
Um fraterno abraço. Paz e Bem!
Fr. Jean Ajluni
Texto publicado no site https://conexaofraterna.com.br/