Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Visita do Papa Bento 16 a Assis – 2007

Encontro com a comunidade das Clarissas na Basílica de Santa Clara

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE À COMUNIDADE DAS CLARISSAS NA BASÍLICA DE SANTA CLARA

Domingo, 17 de Junho de 2007

Obrigado por este cântico tão bonito! É um cântico de acompanhamento nesta espera da chegada do Senhor. Mas o Senhor está sempre para chegar. Portanto este é precisamente um cântico de boas-vindas para o Senhor. Nós próprios vamos ao encontro do Senhor.

Este encontro faz-me pensar em encontros análogos nos tempos passados: encontros muito agradáveis, que estão profundamente inscritos na minha memória. Rever esta vida de amor pelo Senhor, esta vida de Maria que está totalmente em escuta do Senhor e assim em escuta da Palavra de Deus para a humanidade de hoje para mim é sempre uma grande inspiração, um grande encorajamento.

Celebramos 800 anos da conversão de São Francisco. Conversão não é só um momento, um instante da vida: é um caminho. E vós ides à frente, precedeis-nos no caminho da conversão, neste caminho por vezes também muito árduo, mas sempre acompanhado pelas alegrias do Senhor. E desejamos que hoje seja um dia assim, vivido na alegria do Senhor. Um dia no qual o sol de Deus, tão bem cantado por São Francisco, seja realmente também o nosso “centro” e nos dê luz no coração e na nossa vida.

Agora não estou preparado para dizer outras coisas, mas agradeço-vos de coração por tudo. Assis é sempre para mim um ponto de referência interior, uma força para o Papa na sua missão de estar ao timão da barca de Pedro, da barca de Cristo. Então, prossigamos com o Senhor! Eu rezo por vós e vós rezai por mim! Assim, não obstante a distância exterior, permaneçamos profundamente unidos.

De novo, obrigado!


Fonte: Vatican News

Imagem: Vatican Media

Celebração Eucarística na Praça Inferior da Basílica de São Francisco

HOMILIA DO SANTO PADRE DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA PRESIDIDA NA PRAÇA INFERIOR DA BASÍLICA DE SÃO FRANCISCO

Domingo, 17 de Junho de 2007

Queridos irmãos e irmãs!

Que nos diz hoje o Senhor, enquanto celebramos a Eucaristia no sugestivo cenário desta praça, na qual se reúnem oito séculos de santidade, de devoção, de arte e de cultura, ligados ao nome de Francisco de Assis? Hoje aqui tudo fala de conversão, como nos recordou D. Domenico Sorrentino, ao qual agradeço de coração, as gentis palavras que me dirigiu. Com ele saúdo toda a Igreja de Assis-Nocera Umbra-Gualdo Tadino, assim como os Pastores das Igrejas da Úmbria. Dirijo um pensamento grato ao Cardeal Attilio Nicora, meu Legado para as duas Basílicas papais desta Cidade. Dirijo uma saudação afectuosa aos filhos de Francisco, aqui presentes com os seus Ministros-Gerais das várias Ordens. Expresso o meu cordial obséquio ao Presidente do Conselho dos Ministros e a todas as Autoridades civis que me quiseram honrar com a sua presença.

Falar de conversão significa ir ao centro da mensagem cristã e ao mesmo tempo às raízes da existência humana. A Palavra de Deus há pouco proclamada ilumina-nos, pondo-nos diante dos olhos três figuras de convertidos. A primeira é a de David. O trecho que lhe diz respeito, tirado do segundo livro de Samuel, apresenta-nos um dos diálogos mais dramáticos do Antigo Testamento. No centro deste diálogo há uma sentença arrasadora, com que a Parábola de Deus, proferida pelo profeta Natan, põe a cru um rei no ápice do seu apogeu político, mas que caiu no nível mais baixo da sua vida moral. Para compreender a tensão dramática deste diálogo, é preciso ter presente o horizonte histórico e teológico no qual ele se situa. É um horizonte designado pela vicissitude de amor com que Deus escolhe Israel como seu povo, estabelecendo com ele uma aliança e preocupando-se por lhe garantir terra e liberdade. David é uma cadeia desta história da contínua solicitude de Deus pelo seu povo. É escolhido num momento difícil e colocado ao lado do rei Saul, para se tornar depois seu sucessor. O desígnio de Deus refere-se também à sua descendência, ligada ao projecto messiânico, que encontrará em Cristo, “filho de David”, a sua plena realização.

A figura de David é assim, ao mesmo tempo, imagem de grandeza histórica e religiosa. Contrasta muito mais com a baixeza em que ele cai, quando, obcecado pela paixão por Betsabeia, a arranca ao seu esposo, um dos seus guerreiros mais fiéis, ordenando depois friamente o assassínio dele. Isto faz arrepiar: como pode, um eleito de Deus, cair tão em baixo? O homem é verdadeiramente grandeza e miséria: é grandeza porque tem em si a imagem de Deus e é objecto do seu amor; é miséria porque pode fazer mau uso da liberdade que é o seu grande privilégio, acabando por se pôr contra o seu Criador. O verdadeiro Deus, pronunciado por Natan sobre David, esclarece as fibras íntimas da consciência, onde não contam os exércitos, o poder, a opinião pública, mas onde se está a sós com Deus. “Tu és aquele homem”: esta palavra obriga David às suas responsabilidades. Profundamente atingido por esta palavra, o rei desenvolve um arrependimento sincero e abre-se à oferta da misericórdia. Eis o caminho da conversão.

Hoje, Francisco, coloca-se ao lado de David para nos convidar para este caminho. De quanto os biógrafos narram dos seus anos juvenis, nada faz pensar em quedas tão graves como a atribuída ao antigo rei de Israel. Mas o próprio Francisco, no Testamento redigido nos últimos meses da sua existência, olha para os seus primeiros vinte e cinco anos como para um tempo em que “estava nos pecados” (cf. 2 Test 1: FF 110). Além das manifestações individuais, era pecado conceber e organizar uma vida toda centrada sobre si, seguindo sonhos vãos de glória terrena. Não lhe faltava, quando era o “rei das festas” entre os jovens de Assis (cf. 2 Cel I, 3, 7: FF 588), uma natural generosidade de alma. Mas ainda estava muito longe do amor cristão que se doa sem limites ao outro. Como ele mesmo recorda, parecia-lhe amargo ver os leprosos. O pecado impedia-lhe dominar a repugnância física para reconhecer neles irmãos a serem amados. A conversão levou-o a exercer misericórdia e obteve-lhe também misericórdia. Servir os leprosos, chegando a beijá-los, não foi só um gesto de filantropia, uma conversão, por assim dizer, “social”, mas uma verdadeira experiência religiosa, comandada pela iniciativa da graça e pelo amor de Deus: “O Senhor diz ele conduziu-me ao meio deles” (2 Test 2: FF 110). Foi então que a amargura se transformou em “doçura de alma e corpo” (2 Test 3: FF 110). Sim, meus queridos irmãos e irmãs, converter-nos ao amor é passar da amargura à “doçura”, da tristeza à alegria verdadeira. O homem é verdadeiramente ele mesmo, e realiza-se plenamente, na medida em que vive com Deus e de Deus, reconhecendo e amando-o nos irmãos.

No trecho da Carta aos Gálatas, sobressai outro aspecto do caminho de conversão. Quem no-lo explica é outro grande convertido, o apóstolo Paulo. O contexto das suas palavras é o debate no qual a comunidade primitiva se encontrou envolvida: nela muitos cristãos provenientes do judaísmo tendiam a ligar a salvação com o cumprimento das obras da antiga Lei, vanificando assim a novidade de Cristo e a universalidade da sua mensagem. Paulo ergue-se como testemunha e divulgador da graça. No caminho de Damasco, o rosto radioso e a voz forte de Cristo tinham-no arrancado ao seu zelo violento de perseguidor e tinham acendido nele o novo zelo do Crucificado, que reconcilia os próximos e os distantes na sua cruz (cf. Ef 2, 11-22). Paulo tinha compreendido que em Cristo toda a lei se cumpre e quem adere a Cristo une-se a Ele, cumpre a lei. Levar Cristo, e com Cristo o único Deus, a todas as nações tinha-se tornado a sua missão. Cristo “é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade…” (Ef 2, 14). A sua confissão muito pessoal de amor expressa ao mesmo tempo também a comum essência da vida cristã: “a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2, 20b). E como se pode responder a este amor, a não ser abraçando Cristo crucificado, até viver da sua mesma vida? “Estou crucificado com Cristo! Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20a).

Falando do seu estar crucificado com Cristo, São Paulo não só menciona o seu novo nascimento no baptismo, mas toda a sua vida ao serviço de Cristo. Este vínculo com a sua vida apostólica aparece com clareza nas palavras conclusivas da sua defesa da liberdade cristã no final da Carta aos Gálatas: “Daqui em diante, ninguém me moleste, pois trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus” (6, 17). É a primeira vez, na história do cristianismo, que aparece a palavra “estigmas de Jesus”. Na contenda sobre o modo correcto de ver e de viver o Evangelho, no fim, não decidem os argumentos do nosso pensamento; decide a realidade da vida, a comunhão vivida e suportada com Jesus, não só nas ideias ou nas palavras, mas desde o profundo da existência, envolvendo também o corpo, a carne. As marcas recebidas numa longa história de paixão são testemunho da presença da cruz de Jesus no corpo de São Paulo, são os seus estigmas. E assim pode dizer que não é a circuncisão que o salva: os estigmas são a consequência do seu baptismo, a expressão do seu morrer com Jesus dia após dia, o sinal seguro do seu ser nova criatura (cf. Gl 6, 15). Paulo menciona, de resto, com a aplicação da palavra “estigmas”, o costume antigo de imprimir na carne do escravo a marca do seu proprietário. O servo era assim “estigmatizado” como propriedade do seu dono e estava sob a sua protecção. O sinal da cruz, inscrito em longas paixões na carne de Paulo, é o seu orgulho: legitima-o como verdadeiro servo de Jesus, protegido pelo amor do Senhor.

Queridos amigos, Francisco de Assis entrega-nos hoje de novo todas estas palavras de Paulo, com a força do seu testemunho. Desde quando o rosto dos leprosos, amados por amor a Deus, lhe fez intuir, de certa forma, o mistério da “kenose” (cf. Fl 2, 7), o abaixar-se de Deus na carne do Filho do homem, desde quando depois a voz do Crucifixo de São Damião lhe colocou no coração o programa da sua vida: “Vai, Francisco, repara a minha casa” (2 Cel I, 6, 10: FF 593), o seu caminho não foi mais que o esforço quotidiano de se identificar com Cristo. Ele apaixonou-se por Cristo. As chagas do Crucificado feriram o seu coração, antes de marcar o seu corpo em La Verna. Ele podia verdadeiramente dizer com Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.

Falemos agora do centro evangélico da hodierna Palavra de Deus. O próprio Jesus, no trecho acabado de ler do Evangelho de Lucas, explica-nos o dinamismo da conversão autêntica, indicando-nos como modelo a mulher pecadora resgatada pelo amor. Deve reconhecer-se que esta mulher tinha ousado muito. O seu modo de se colocar diante de Jesus, lavando com as lágrimas os seus pés e secando-os com os cabelos, beijando-os e perfumando-os com ólio perfumado, era feito para escandalizar aqueles que viam as pessoas da sua condição com o olhar impiedoso de juiz. Ao contrário, impressiona a ternura com que Jesus trata esta mulher, por muitos explorada e por todos julgada. Finalmente encontrou em Jesus um olhar puro, um coração capaz de amar sem explorar. No olhar e no coração de Jesus ela recebe a revelação de Deus-Amor!

Evitando equívocos, deve-se observar que a misericórdia de Jesus não se expressa pondo entre parêntesis a lei moral. Para Jesus, o bem é bem, o mal é mal. A misericórdia não muda os aspectos do pecado, mas queima-os num fogo de amor. Este afecto purificante e restabelecedor realiza-se se há no homem uma correspondência de amor, que implica o reconhecimento da lei de Deus, o arrependimento sincero, o propósito de uma vida nova. À pecadora do Evangelho muito é perdoado, porque muito amou. Em Jesus Deus vem dar-nos o amor e pedir-nos o amor.

O que foi, meus queridos irmãos e irmãs, a vida de Francisco convertido a não ser um grande acto de amor? Revelam-no as suas orações fervorosas, ricas de contemplação e de louvor, o seu terno abraço de Menino divino em Greccio, a sua contemplação da paixão em La Verna, o seu “viver segundo a forma do santo Evangelho” (2 Test 14: FF 116), a sua opção pela pobreza e o seu procurar Cristo no rosto dos pobres.

É esta sua conversão a Cristo, até ao desejo de “se transformar” n’Ele, tornando-se uma imagem completa que explica aquela sua vivência típica, em virtude da qual ele se nos mostra tão actual também em relação aos grandes temas do nosso tempo, como a busca da paz, a salvaguarda da natureza, a promoção do diálogo entre todos os homens. Francisco é um verdadeiro mestre nestas coisas. Mas também o é a partir de Cristo. De facto, é Cristo “a nossa paz” (cf. Ef 2, 14). É Cristo o próprio princípio da criação, dado que n’Ele tudo foi feito (cf. Jo 1, 3). É Cristo a verdade divina, o eterno “Logos”, no qual qualquer “dia-logos” no tempo encontra o seu fundamento último. Francisco encarna profundamente esta verdade “cristológica” que está nas raízes da existência humana, da criação, da história.

Não posso esquecer, neste contexto, a iniciativa do meu Predecessor de santa memória, João Paulo II, que quis reunir aqui, em 1996, os representantes das confissões cristãs e das diversas religiões do mundo, para um encontro de oração pela paz. Foi uma intuição profética e um momento de graça, como recordei há alguns meses na minha carta ao Bispo desta Cidade por ocasião do vigésimo aniversário daquele acontecimento. A escolha de celebrar aquele encontro em Assis era sugerida precisamente pelo testemunho de Francisco como homem de paz, para o qual muitos olham com simpatia também de outras posições culturais e religiosas. Ao mesmo tempo, a luz do Pobrezinho sobre esta iniciativa era uma grande garantia de autenticidade cristã, dado que a sua vida e a sua mensagem se baseavam tão visivelmente sobre a escolha de Cristo, que rejeitavam a priori qualquer tentação de indiferentismo religioso, que em nada se relacionaria com o autêntico diálogo inter-religioso. O “espírito de Assis”, que a partir daquele evento se continua a difundir no mundo, opõe-se ao espírito de violência, ao abuso da religião como pretexto para a violência.

Assis diz-nos que a fidelidade à própria convicção religiosa, a fidelidade sobretudo a Cristo crucificado e ressuscitado não se expressa em violência e intolerância, mas no sincero respeito do outro, no diálogo, num anúncio que faz apelo à liberdade e à razão, no compromisso pela paz e pela reconciliação. Não poderia ser atitude evangélica, nem franciscana, não conseguir conjugar o acolhimento, o diálogo e o respeito por todos com a certeza de fé que cada cristão, do modo como o Santo de Assis, é obrigado a cultivar, anunciando Cristo como caminho, verdade e vida do homem (cf. Jo 14, 6), único Salvador do mundo.

Que Francisco de Assis obtenha para esta Igreja particular, para as Igrejas que estão na Úmbria, para toda a Igreja que está na Itália, da qual ele, juntamente com Santa Catarina de Sena, é Padroeiro, para as numerosas pessoas que no mundo o invocam, a graça de uma autêntica e plena conversão ao amor de Cristo

Recitação do Angelus

ANGELUS

Domingo, 17 de Junho de 2007

Queridos Irmãos e Irmãs!

Queridos Irmãos e Irmãs!

Há oito séculos, dificilmente a cidade de Assis teria podido imaginar o papel que a Providência lhe designava, um papel que a torna hoje uma cidade tão famosa no mundo, um verdadeiro “lugar da alma”. Este carácter foi-lhe conferido pelo evento que aqui aconteceu, e que lhe imprimiu um sinal indelével. Refiro-me à conversão do jovem Franscisco, que depois de vinte e cinco anos de vida medíocre e sonhadora, orientada para a busca de prazeres e sucessos mundanos, se abriu à graça, caiu em si e gradualmente reconheceu em Cristo o ideal da sua vida. A minha peregrinação hoje a Assis deseja trazer à memória aquele acontecimento para reviver o seu significado e o seu alcance.

Detive-me com particular emoção na igreja de São Damião, na qual Francisco ouviu do Crucifixo a palavra programática: “Vai, Francisco, repara a minha casa” (2 Cel I, 6, 10: FF 593). Era uma missão que iniciava com a plena conversão do seu coração, para se tornar depois fermento evangélico lançado a mãos-cheias na Igreja e na sociedade. Em Rivotorto vi o lugar onde, segundo a tradição, eram relegados aqueles leprosos dos quais o Santo se aproximou com misericórdia, começando assim o seu caminho de penitente, e também o Santuário onde é recordada a pobre habitação de Francisco e dos seus primeiros irmãos. Passei na Basílica de Santa Clara, a “pequena planta” de Francisco, e hoje à tarde, depois da visita à Catedral de Assis, deter-me-ei na Porciúncula, de onde Francisco guiou, à sombra de Maria, os passos da sua fraternidade em expansão, e onde exalou o último respiro. Lá encontrar-me-ei com os jovens, para que o jovem Francisco, convertido a Cristo, fale ao seu coração.

Neste momento, da Basílica de São Francisco onde repousam os seus despojos mortais, desejo sobretudo fazer minhas as suas expressões de louvor: “Altíssimo, Omnipotente, bom Senhor, teu é o louvor, a glória e a honra e todas as bênçãos” (Cântico ao Irmão Sol 1: FF 263). Francisco de Assis é um grande educador da nossa fé e do nosso louvor. Apaixonando-se por Jesus Cristo ele encontrou o rosto de Deus-Amor, tornou-se seu apaixonado cantor, como verdadeiro “bobo de Deus”. À luz das Bem-Aventuranças evangélicas compreende-se a mansidão com que soube viver as relações com os outros, apresentando-se a todos em humildade e fazendo-se testemunha e realizador de paz.

Desta Cidade da paz desejo enviar uma saudação aos representantes das outras confissões cristãs e das outras religiões que em 1986 aceitaram o convite do meu venerado Predecessor para viver aqui, na pátria de São Francisco, um Dia Mundial de Oração pela Paz. Considero meu dever lançar daqui um urgente e insistente apelo para que cessem todos os conflitos armados que ensanguentam a terra, que as armas silenciem e em toda a parte o ódio ceda o lugar ao amor, a ofensa ao perdão e a discórdia à união! Sentimos espiritualmente aqui presentes todos os que choram, sofrem e morrem por causa da guerra e das suas trágicas consequências, em qualquer parte do mundo. O nosso pensamento dirige-se particularmente à Terra Santa, tão amada por São Francisco, ao Iraque, ao Líbano, a todo o Médio Oriente. As populações daqueles Países conhecem, há já demasiado tempo, os horrores dos combates, do terrorismo, da violência cega, a ilusão que a força possa resolver os conflitos, a recusa de ouvir as razões do outro e de lhe render justiça. Só um diálogo responsável e sincero, apoiado pelo generoso sustento da Comunidade internacional, poderá pôr fim a tanto sofrimento e voltar a dar vida e dignidade a pessoas, instituições e povos.

Queira São Francisco, homem de paz, obter-nos do Senhor que se multipliquem quantos aceitam fazer-se “instrumentos da sua paz”, através dos numerosos pequenos gestos da vida quotidiana; que quantos desempenham papéis de responsabilidade sejam animados por um amor apaixonado pela paz e por uma vontade invencível pela sua consecução, escolhendo meios adequados para a obter.

A Virgem Santa, que o Pobrezinho amou com um coração terno e cantou com palavras inspiradas, nos ajude a descobrir o segredo da paz no milagre de amor que se realizou no seu seio com a encarnação do Filho de Deus.

Encontro com as Irmãs Clarissas Capuchinhas Alemãs na Sala Capitular do Sagrado Convento

DISCURSO DO SANTO PADRE
ÀS CAPUCHINHAS ALEMÃS

NA SALA CAPITULAR DO SACRO CONVENTO

Domingo, 17 de Junho de 2007

Queridas irmãs

Quando juntos, o Bispo Sorrentino e eu, concordámos esta visita, eu disse imediatamente: “Devo encontrar as Capuchinhas da Baviera, as Capuchinhas alemães”. Para mim elas fazem profundamente parte de Assis e eu conservo tantas bonitas recordações dos encontros que tive na casa delas, antes e depois do terramoto, que para mim uma visita a Assis sem um encontro com as Capuchinhas, as alemães, teria sido uma experiência de Assis incompleta. Portanto alegro-me: estamos aqui juntos, quase como se estivéssemos no vosso Convento.

Estou muito grato e feliz pelo facto de, há séculos, a Providência ter inspirado este convento, que ele continue a viver, que da terra alemã, sobretudo da Baviera, jovens moças cheguem sempre de novo aqui e percorram, em comunhão com São Francisco, o caminho do Senhor: o caminho da pobreza, da castidade, da obediência, sobretudo o caminho do amor a Cristo e à sua Igreja.

Sei que rezais muito por mim e por toda a Igreja. Saber que atrás de mim há tantas pessoas orantes, tantas queridas irmãs que rezam e sustentam a minha obra a partir de dentro, constitui para mim um fortalecimento constante. Para mim torna-se uma necessidade dizer uma palavra de agradecimento por isto. Este ano celebramos a conversão de São Francisco. Sabemos que temos sempre necessidade de conversão. Sabemos que toda a vida nos encontramos na subida, muitas vezes cansativa mas também sempre bela, de conversões sucessivas; sabemos que, desta forma, dia após dia nos aproximamos mais do Senhor. São Francisco mostra-nos também como na sua vida, a partir deste primeiro encontro profundo com o Crucifixo de “São Damião”, tenha maturado cada vez mais a comunhão com Cristo, até se tornar uma coisa só com Ele no evento dos estigmas.

Por isso procuramos, por isso lutamos: para ouvir sempre melhor a sua voz, para que ela penetre cada vez mais no nosso coração, plasme cada vez mais a nossa vida, para que nos tornemos a partir de dentro semelhantes a Ele e em nós a Igreja seja viva. Assim como Maria na sua pessoa era Igreja viva, assim através do vosso rezar, crer, esperar e amar vos tornais Igreja viva e, desta forma, uma coisa só com o único Senhor. Estou deveras grato ao Senhor por nos termos podido encontrar.

Temos também um pequeno dom. (Naturalmente agradeço as flores)! Trouxemos uma imagem de Nossa Senhora, que recordará a visita, durante a qual nos encontramos.

Penso poder ouvir ainda um cântico… (é executado um cântico). Obrigado! É um cântico que muitas vezes entoamos no seminário de Traunstein e que me leva à minha juventude, fazendo-me assim compreender toda a alegria pelo Senhor e pela Mãe de Deus que, como então também hoje, levamos no nosso coração. Agora posso conceder-vos a minha Bênção.

Mensagem aos participantes do Capítulo Geral

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI
AO MINISTRO-GERAL DOS FRADES MENORES CONVENTUAIS
POR OCASIÃO DO 199º CAPÍTULO GERAL

Ao Reverendíssimo Padre MARCO TASCA
Ministro-Geral da Ordem dos
Frades Menores Conventuais

É com grande alegria que transmito a minha saudação ao Reverendíssimo Padre e a todos os Frades Menores Conventuais, congregados em Assis para o 199º Capítulo Geral. Sinto-me feliz por o fazer nesta Basílica papal em que esplêndidas obras de arte narram as maravilhas da graça que o Senhor realizou em São Francisco.

Considero providencial o facto de que isto aconteça no contexto do VIII centenário da conversão de Francisco. Efectivamente, com a minha visita hodierna desejei sublinhar o significado deste acontecimento, sobre o qual é necessário reflectir sempre, para compreender Francisco e a sua mensagem. Ele mesmo, como que para resumir com uma única palavra a sua vicissitude interior, não encontrou um conceito mais fecundo do que “penitência”: “O Senhor concedeu-me, a mim Frei Francisco, começar a fazer penitência assim” (Testamento, 1: FF 110). Portanto, ele compreendia-se essencialmente como um “penitente”, por assim dizer, em estado de conversão permanente. Abandonando-se à acção do Espírito, Francisco converteu-se cada vez mais a Cristo, transformando-se numa imagem viva dele, ao longo dos caminhos da pobreza, da caridade e da missão.

Potanto, vós tendes a tarefa de testemunhar a sua mensagem com ímpeto e coerência! Sois chamados a fazê-lo com aquela sintonia eclesial que distingue Francisco no seu relacionamento com o Vigário de Cristo e com todos os Pastores da Igreja. A este propósito, estou-vos grato pela obediência pronta com que, juntamente com os Frades Menores, e correspondendo ao especial vínculo de afecto que desde sempre vos une à Sé Apostólica, quisestes acolher as disposições do Motu Proprio Totius Orbis, a respeito das novas relações das duas Basílicas papais de São Francisco e de Santa Maria dos Anjos com esta Igreja particular, que viu nascer o Pobrezinho e que teve uma grande influência na sua vida.

Dirijo uma saudação especial ao Frei Marco Tasca, que a confiança dos Irmãos de hábito chamou à exigente tarefa de Ministro-Geral. Que lhe seja de bom auspício também a celebração dos 750 anos da eleição de São Boaventura como Ministro da Ordem. Segundo o exemplo de São Francisco e de São Boaventura, juntamente com os Definidores eleitos, possa ele orientar com sábia prudência a grande Família da Ordem, na fidelidade às raízes da experiência franciscana e na atenção aos “sinais dos tempos”.

O acontecimento do Capítulo Geral congrega Frades provenientes de muitos países e culturas diferentes, para se ouvirem e para falarem uns com os outros, mediante a singular linguagem do Espírito, tornando assim viva a memória de santidade de Francisco. Esta é uma ocasião verdadeiramente extraordinária para compartilhar as “coisas maravilhosas” que Deus realiza também nos dias de hoje através dos filhos do Pobrezinho, espalhados pelo mundo. Portanto, formulo bons votos a fim de que, enquanto dão graças a Deus pelo desenvolvimento da Ordem sobretudo nos países de missão, os Capitulares aproveitem este diálogo para se interrogarem sobre aquilo que o Espírito lhes pede para continuar a anunciar com paixão, seguindo os passos do Pai seráfico, o Reino de Deus nesta parte inicial do terceiro milénio cristão.

Tomei conhecimento com interesse que, como tema central de reflexão durante os dias da Assembleia capitular, foi escolhido o da formação para a missão, pondo em evidência o facto de que tal formação nunca é realizada de uma vez por todas, mas deve ser considerada sobretudo como um caminho permanente. Com efeito, trata-se de um percurso com múltiplas dimensões, mas centrado na capacidade de se deixar plasmar pelo Espírito, em vista de estar pronto para ir aonde quer que Ele chame. Na base não pode existir senão a escuta da Palavra, num clima de oração intensa e contínua. Somente em tais condições podem compreender-se as verdadeiras necessidades dos homens e das mulheres do nosso tempo, oferecendo-lhes respostas inspiradas na sabedoria de Deus e anunciando aquilo que se experimenta profundamente na própria vida.

É necessário que a grande Família dos Frades Menores Conventuais se deixe impelir ainda pela palavra que Francisco ouviu do Crucifixo de São Damião: “Vai e repara a minha casa” (2 Cel I, 6, 10: FF 593). Portanto, é necessário que cada Frade seja um verdadeiro contemplativo, com os olhos fixos nos olhos de Cristo. É preciso que ele seja capaz, como Francisco diante do leproso, de ver o rosto de Cristo nos irmãos que sofrem, levando a todos o anúncio da paz. Com esta finalidade, ele deverá fazer seu o caminho de conformação com o Senhor Jesus, que Francisco viveu nos vários lugares-símbolo do seu itinerário de santidade: de São Damião a Rivotorto, de Santa Maria dos Anjos a La Verna.

Deste modo, que para cada filho de São Francisco seja um princípio sólido aquele que o Pobrezinho expressava com as simples palavras: “A Regra e a vida dos frades menores consiste nisto, ou seja, em observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rb I, 1: FF 75). A este propósito, estou feliz por saber que também os Menores Conventuais, juntamente com toda a grande Família franciscana, estão comprometidos a reviver as etapas que levaram Francisco a formular o “propositum vitae”, confirmado por Inocêncio III por volta do ano de 1209. Chamado a viver “segundo a forma do santo Evangelho” (Testamento, 14: FF 116), o Pobrezinho compreendia-se a si mesmo inteiramente à luz do Evangelho. A perene actualidade do seu testemunho nasce precisamente daqui. A sua “profecia” ensina a fazer do Evangelho o critério para enfrentar os desafios de todos os tempos, também do nosso, resistindo à fascinação enganadora de modas passageiras, para se arraigar no desígnio de Deus e discernir desta maneira as verdadeiras necessidades dos homens. Formulo bons votos a fim de que os Frades saibam acolher com renovado impulso e coragem este “programa”, confiando na força que vem do Alto.

Aos Menores Conventuais pede-se que sejam em primeiro lugar anunciadores de Cristo: que se aproximem de todos com mansidão e confiança, em atitude de diálogo, mas oferecendo sempre o testemunho fervoroso do único Salvador. Sejam testemunhas da “beleza” de Deus, que Francisco soube cantar, contemplando as maravilhas da criação: entre os esplêndidos ciclos pictóricos que adornam esta Basílica e em todos os outros ângulos daquele maravilhoso templo, que é a natureza, brote dos seus lábios a oração que Francisco pronunciou depois da êxtase mística de La Verna, e que por duas vezes o levou a exclamar: “Tu és beleza!” (Louvores de Deus altíssimo, 4.6: FF 261). Sim, Francisco é um grande mestre da “via pulchritudinis”. Que os Frades saibam imitá-lo, irradiando a beleza que salva; que o façam de forma particular nesta maravilhosa Basílica, não somente mediante a fruição dos tesouros de arte que nela se encontram conservados, mas também e sobretudo através da intensidade e do decoro da liturgia e do anúncio ardente do mistério cristão.

Aos Religiosos capitulares faço votos para que regressem às suas respectivas comunidades, levando consigo o vigor e a actualidade da mensagem franciscana. A todos digo: transmiti aos vossos Irmãos de hábito a experiência de fraternidade destes dias, como luz e força capazes de iluminar o horizonte nem sempre desprovido de nuvens da vida quotidiana; transmiti a cada pessoa a paz recebida e doada.

Com o pensamento voltado para a Virgem Imaculada, a “Tota pulchra”, e implorando a intercessão de São Francisco e de Santa Clara, a quem confio o bom êxito dos trabalhos deste Capítulo Geral, concedo-lhe, Reverendíssimo Padre, bem como aos Religiosos capitulares e a todos os membros da Ordem, como penhor de carinho especial, a Bênção Apostólica.

Assis, 17 de Junho de 2007.

PAPA BENTO XVI

Encontro com os Sacerdotes, os Diáconos, os Religiosos e as Religiosas, os Superiores e Alunos na Catedral de São Rufino

DISCURSO DO SANTO PADRE
AO CLERO, AOS RELIGIOSOS
E ÀS RELIGIOSAS
DURANTE O ENCONTRO NA CATEDRAL DE SÃO
RUFINO

Assis, 17 de Junho de 2007

Caríssimos sacerdotes e diáconos
religiosos e religiosas

Posso dizer com sinceridade que desejei vivamente encontrar-me convosco nesta antiga Catedral, em que normalmente se reúne, em redor do Bispo, a Igreja diocesana. Hoje de manhã estive no meio do Povo de Deus nos seus vários componentes, durante a Celebração eucarística junto da Basílica de São Francisco; pareceu-me belo reservar-vos um encontro particular, também em consideração da numerosa presença de pessoas consagradas nesta Diocese. Estou grato a D. Domenico Sorrentino, Pastor desta Igreja, por se ter feito intérprete dos vossos sentimentos de comunhão e de afecto. E senti também imediatamente o afecto. Agradeço de coração ao Bispo Emérito, D. Sérgio Goretti, que durante anos, como ouvimos, vinte e cinco anos, guiou esta Igreja, ilustre por tanta história de santidade. Recordo-me de muitos encontros bonitos que tivemos precisamente aqui em Assis. Obrigado, Excelência!

Como sabeis, como recordou Sua Excelência D. Sorrentino, a ocasião que me trouxe hoje a Assis é a comemoração do VIII centenário da conversão de Francisco. Também eu me fiz peregrino. Já como estudante, e depois quando me preparava para uma Cátedra estudei São Boaventura e, portanto, também São Francisco. Vim espiritualmente em peregrinação a Assis, muito antes de ter chegado aqui também fisicamente. Assim, nesta longa peregrinação da minha vida, sinto-me feliz por estar hoje convosco na Catedral, convosco sacerdotes, religiosos e religiosas. Seguindo os passos do Pobrezinho, no meu discurso inspirar-me-ei principalmente nele. Mas precisamente no contexto desta Catedral não posso não recordar os outros Santos que ilustraram a vida desta Igreja, a partir do padroeiro São Rufino, ao qual se unem São Rinaldo e o Beato Ângelo. É natural que, ao lado de Francisco, esteja Clara, cuja casa se encontrava precisamente nos arredores desta Catedral. Há pouco pude ver o baptistério em que, segundo a tradição, receberam o Baptismo tanto São Francisco como Santa Clara e, sucessivamente, São Gabriel da Virgem Dolorosa.

Este pormenor oferece-me a inspiração para uma primeira reflexão. Se hoje falamos da conversão de Francisco, pensando na opção radical de vida, que ele fez quando era jovem, todavia não podemos esquecer que a sua primeira “conversão” teve lugar no Baptismo. A plena resposta que dará quando for adulto não será senão a maturação do germe de santidade então recebido. É importante que na nossa vida e na proposta pastoral tomemos consciência mais viva da dimensão baptismal da santidade. Ela é dom e tarefa para todos os baptizados. A esta dimensão fez referência o meu venerado e amado Predecessor, na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, escrevendo: “Perguntar a um catecúmeno. “Queres receber o Baptismo?” significa, ao mesmo tempo, perguntar-lhe: “Queres fazer-te santo?”” (n. 31).

Os milhões de peregrinos que passam por estes caminhos, atraídos pelo carisma de Francisco, devem ser ajudados a captar o núcleo essencial da vida cristã e a tender para a sua “medida alta”, que é exactamente a santidade. Não basta que admirem Francisco: através dele, devem poder encontrar Cristo, para O confessar e amar, com “fé recta, esperança certa e caridade perfeita” (Oração de Francisco diante do Crucifixo, 1: FF 276). Os cristãos do nosso tempo encontram-se cada vez mais frequentemente a enfrentar a tendência a aceitar um Cristo diminuído, admirado na sua humanidade extraordinária, mas rejeitado no profundo mistério da sua divindade. O próprio Francisco padece uma espécie de mutilação, quando o põe em jogo como testemunho de valores contudo importante, apreciados pela cultura hodierna, mas esquecendo que a opção profunda, poderíamos dizer o coração da sua vida, é a opção de Cristo. Em Assis, há necessidade mais do que nunca de uma linha pastoral de alto perfil. Para isto é preciso que vós, sacerdotes e diáconos, e vós, pessoas de vida consagrada, sintais fortemente o privilégio e a responsabilidade de viver neste território de graça. É verdade que quantos passam por esta Cidade, mesmo que seja somente pelas suas “pedras” e pela sua história, recebem uma mensagem benéfica. As pedras falam radicalmente, mas isto não exime de uma proposta espiritual sólida, que ajude também a enfrentar as tantas seduções do relativismo que caracteriza a cultura do nosso tempo.

Assis tem o dom de atrair pessoas de tantas culturas e religiões, em nome de um diálogo que constitui um valor irrenunciável. João Paulo II vinculou o seu nome a este ícone de Assis como Cidade do diálogo e da paz. Apreciei, a este propósito, o facto de terdes desejado honrar a memória da sua relação especial com esta Cidade, dedicando-lhe também uma sala com pinturas que o representam precisamente ao lado desta Catedral. Para João Paulo II era claro que a vocação dialógica de Assis está ligada à mensagem de Francisco, e deve permanecer bem alicerçada nos pilares principais da sua espiritualidade. Em Francisco tudo parte de Deus e volta para Deus. Os seus Louvores de Deus altíssimo revelam um ânimo constantemente arrebatado no diálogo com a Trindade. A sua relação com Cristo encontra na Eucaristia o lugar mais significativo.

O próprio amor ao próximo desenvolve-se a partir da experiência e do amor a Deus. Quando, no Testamento, recorda o seu caminho ao encontro dos leprosos, como acontecimento inicial da sua conversão, sublinha que àquele abraço de misericórdia ele foi conduzido pelo próprio Deus (cf. 2 Test 2: FF 110). Os vários testemunhos biográficos são concordes ao delinear a sua conversão como um abrir-se progressivo à Palavra que vem do alto. A própria lógica sobressai no seu pedir e oferecer a esmola com a motivação do amor a Deus (cf. 2 Cel 47, 77: FF 665). O seu olhar sobre a natureza é na realidade uma contemplação do Criador na beleza das criaturas. Os seus próprios votos de paz modulam-se, de resto, como oração, uma vez que lhe foi revelada a modalidade em que devia formulá-los: “O Senhor te conceda a paz” (2 Test: FF 121). Francisco é um homem para os outros, porque é completamente um homem de Deus. Querer separar, na sua mensagem, a dimensão “horizontal” da “vertical” significa tornar Francisco irreconhecível.

A vós, ministros do Evangelho e do altar, a vós, religiosos e religiosas, a tarefa de desenvolver um anúncio da fé cristã à altura dos desafios hodiernos. Tendes uma grande história, e desejo expressar o meu apreço por aquilo que fazeis. Se hoje volto a Assis como Papa, vós sabeis porém que não é a primeira vez que visito esta Cidade e sempre tive uma belíssima impressão da mesma.

É necessário que a vossa tradição espiritual e pastoral permaneça sólida nos seus valores perenes e, ao mesmo tempo, se renove para dar uma resposta autêntica às novas interrogações. Por isso, desejo encorajar-vos a seguir com confiança o plano pastoral que o vosso Bispo vos propôs. Nele indicam-se as grandes e exigentes perspectivas da comunhão, da caridade e da missão, ressaltando que elas afundam as raízes numa autêntica conversão a Cristo. A lectio divina, a centralidade da Eucaristia, a Liturgia das Horas e a adoração eucarística, a contemplação dos mistérios de Cristo na perspectiva mariana do Rosário asseguram aquele clima e aquela tensão espiritual, sem os quais todos os compromissos pastorais, a vida fraterna e o próprio empenho pelos pobres correriam o risco de naufragar por causa das nossas fragilidades e dos nossos cansaços.

Ânimo, caríssimos! Para esta Cidade, para esta comunidade eclesial olha com particular simpatia a Igreja de todas as regiões do mundo. O nome de Francisco, acompanhado pelo de Clara, pede que esta Cidade se distinga por um particular impulso missionário. Mas precisamente por isto é também necessário que esta Igreja viva de uma intensa experiência de comunhão. Põe-se nesta óptica o Motu Proprio Totius orbis com que, como o vosso Bispo mencionou, estabeleci que as duas grandes Basílicas papais de São Francisco e de Santa Maria dos Anjos, mesmo continuando a gozar de uma atenção especial da Santa Sé, através do Legado Pontifício, sob o perfil pastoral entrassem sob a jurisdição do Bispo desta Cidade. Estou verdadeiramente feliz por saber que o novo caminho começou sob o sinal de uma grande disponibilidade e colaboração, e estou certo de que será rico de frutos.

Na realidade era um discurso já maduro por diversas razões. Sugeria-o o novo respiro que o Concílio Vaticano II deu à teologia da Igreja particular, mostrando como nela se expressa o mistério da Igreja universal. Com efeito, as Igrejas particulares “são formadas à imagem da Igreja universal: em todas e de todas as Igrejas particulares (in quibus et ex quibus) resulta a Igreja católica una e única” (Constituição Lumen gentium, 23). Há uma mútua evocação interior entre o universal e o particular. As Igrejas de modo individual, precisamente enquanto vivem a sua identidade de “porções” do Povo de Deus, expressam também uma comunhão e uma “diaconia” em relação à Igreja universal espalhada pelo mundo, animada pelo Espírito e servida pelo ministério de unidade do Sucessor de Pedro. Esta abertura “católica” pertence a cada uma das Dioceses e assinala, de certo modo, todas as dimensões da sua vida, mas acentua-se quando uma Igreja dispõe de um carisma que atrai e age para além dos seus confins. E como negar que tal é o carisma de Francisco e da sua mensagem? Os numerosos peregrinos que vêm a Assis estimulam esta Igreja a ir além de si mesma. Por outro lado, é incontestável que Francisco tenha com a sua Cidade um relacionamento especial. De certo modo, Assis faz parte integrante do caminho de santidade deste seu grande filho. Demonstra-o a minha própria peregrinação hodierna, que me vê visitar muitos lugares, certamente não todos, da vicissitude de Francisco nesta Cidade. Além disso, apraz-me sublinhar também que a espiritualidade de Francisco de Assis serve de ajuda tanto para compreender a universalidade da Igreja, que ele expressa na particular devoção pelo Vigário de Cristo, como para compreender o valor da Igreja particular, dado que foi forte e filial o seu vínculo com o Bispo de Assis. É necessário redescobrir o valor não apenas biográfico, mas “eclesiológico”, deste encontro do jovem Francisco com o Bispo D. Guido, a cujo discernimento e em cujas mãos entregou, despojando-se de tudo, a sua opção de vida por Cristo (cf. 1 Cel I, 6, 14-15: FF 343-344).

A oportunidade de uma ordem unitária, como foi assegurado pelo Motu Proprio, era também aconselhada pela necessidade de uma cção pastoral mais coordenada e eficaz. Pelo Concílio Vaticano II e pelo sucessivo Magistério foi sublinhada a necessidade de que as pessoas e as comunidades de vida consagrada, também de direito pontifício, se insiram de modo orgânico, em conformidade com as suas Constituições e com as leis da Igreja, na vida da Igreja particular (cf. Decreto Christus Dominus, 33-35; Código de Direito Canônico, 678-680). Tais comunidades, se têm direito de esperar acolhimento e respeito pelo seu próprio carisma, todavia devem evitar viver como “ilhas”, mas integrar-se com convicção e generosidade no serviço e no plano pastoral adoptado pelo Bispo, para toda a comunidade diocesana.

Dirijo um pensamento especial a vós, caríssimos sacerdotes, comprometidos todos os dias, juntamente com os diáconos, no serviço ao Povo de Deus. O vosso entusiasmo, a vossa comunhão, a vossa vida de oração e o vosso ministério generoso são indispensáveis. Pode acontecer de experimentar algum cansaço ou medo diante das novas exigências e das novas dificuldades, mas devemos ter confiança de que o Senhor nos dará a força necessária para realizar quanto nos pede. Ele rezamos e estamos certos disto não deixará faltar vocações, se lhe implorarmos com a oração e ao mesmo tempo nos preocuparmos em procurá-las e conservá-las com uma pastoral juvenil e vocacional de ardor e inventiva, capaz de mostrar a beleza do ministério sacerdotal. Saúdo de bom grado, neste contexto, também os superiores e os alunos do Pontifício Seminário Regional Umbro.

Vós, pessoas consagradas, dais razão com a vossa vida da esperança que depositastes em Cristo. Para esta Igreja constituís uma grande riqueza, tanto no âmbito da pastoral paroquial como em vantagem dos numerosos peregrinos, que muitas vezes vêm pedir-vos hospitalidade, esperando também um testemunho espiritual. Em particular, vós claustrais, sabei ter alta a chama da contemplação. A cada uma de vós, desejo repetir as palavras que Santa Clara escrevia numa carta a Inês da Boémia, pedindo-lhe que fizesse de Cristo o seu “espelho”: “Olha todos os dias este espelho, ó rainha esposa de Jesus Cristo, e nele perscruta continuamente o teu rosto…” (4 LAg 15: FF 2902). A vossa vida de escondimento e de oração não vos subtrai do dinamismo missionário da Igreja; pelo contrário, põe-vos no seu coração. Quanto mais altos são os desafios apostólicos, tanto mais é necessário o vosso carisma. Sede sinais do amor de Cristo, ao qual possam olhar todos os outros irmãos e irmãs expostos aos cansaços da vida apostólica e do compromisso laical no mundo.

Ao confirmar-vos o meu afeto repleto de confiança e ao confiar-vos à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e dos vossos Santos, a começar por Francisco e Clara, a todos concedo uma especial Bênção Apostólica.

Encontro com os jovens na praça diante da Basílica de Santa Maria dos Anjos

VISITA PASTORAL DO PAPA BENTO XVI A ASSIS

DISCURSO DO SANTO PADRE
AOS JOVENS NA PRAÇA
DIANTE
DA BASÍLICA DE SANTA MARIA DOS ANJOS

Domingo, 17 de Junho de 2007

Queridos jovens

Obrigado pela vossa hospitalidade tão calorosa, sinto em vós a fé, sinto a vossa alegria de ser cristãos católicos! Obrigado pelas palavras carinhosas e pelas importantes perguntas que os vossos dois representantes me dirigiram. Durante este encontro espero dizer algo sobre estas perguntas da vida; portanto, agora não posso dar uma resposta exaustiva, mas procuro dizer algo, e sobretudo saúdo todos vós, jovens desta Diocese de Assis-Nocera Umbra-Gualdo Tadino, com o vosso Bispo, D. Domenico Sorrentino. Saúdo-vos, jovens de todas as Dioceses da Úmbria, aqui reunidos com os vossos Pastores. Saúdo-vos, naturalmente, também a vós jovens vindos de outras regiões da Itália, acompanhados pelos vossos animadores franciscanos. Dirijo uma saudação cordial ao Cardeal Attilio Nicora, meu Legado para as Basílicas papais de Assis, e aos Ministros-Gerais das várias Ordens franciscanas.

Acolhe-nos aqui, juntamente com Francisco, o coração da Mãe, a “Virgem que se fez Igreja”, como ele gosta de invocá-la (cf. Saudação à Bem-Aventurada Virgem Maria, 1: FF 259).

Francisco tinha um afecto especial pela pequena igreja da Porciúncula, conservada nesta Basílica de Santa Maria dos Anjos. Ela foi uma das igrejas que ele se empenhou a reparar nos primeiros anos da sua conversão e onde ouviu e meditou o Evangelho da missão (cf. 1 Cel I, 9, 22: FF 356)

Depois dos primeiros passos de Rivotorto, foi aqui que ele instituiu o “quartel-general” da Ordem, onde os frades pudessem reunir-se como que no seio materno, para se regenerarem e voltarem a partir repletos de impulso apostólico. Aqui obteve para todos uma fonte de misericórdia, na experiência do “grande perdão”, do qual todos nós temos sempre necessidade. Aqui, finalmente, viveu o seu encontro com a “irmã morte”.

Prezados jovens, vós sabeis que o motivo que me trouxe a Assis foi o desejo de reviver o caminho interior de Francisco, por ocasião do VIII centenário da sua conversão. Este momento da minha peregrinação tem um significado particular. Pensei neste momento como o ápice do meu dia. São Francisco fala a todos, mas sei que tem precisamente por vós, jovens, uma atracção especial.

Confirma-o a vossa presença tão numerosa, assim como as interrogações que me apresentastes. A sua conversão teve lugar quando estava na plenitude da sua vitalidade, das suas experiências e dos seus sonhos. Tinha transcorrido vinte e cinco anos sem decifrar o sentido da vida. Poucos meses antes de morrer, recordará aquele período como o tempo em que “vivia nos pecados” (cf. 2 Test 1: FF 110).

Em que pensava, Francisco, quando falava de pecados? Segundo as biografias, cada uma das quais tem um seu perfil, não é fácil determiná-lo. Um retrato eficaz do seu modo de viver encontra-se na Legenda dos três companheiros, onde se lê. “Francisco era muito alegre e generoso, dedicado aos jogos e aos cantos, perambulava pela cidade de Assis dia e noite com amigos do seu cunho, tão generoso ao gastar, que dissipava em almoços e outras coisas aquilo que podia ter ou ganhar” (3 Comp 1, 2: FF 1396). De quantos jovens, nos nossos dias, não se poderia dizer algo de semelhante? Além disso, hoje há a possibilidade de ir divertir-se muito além da própria cidade.

As iniciativas de lazer durante os fins de semana reúnem muitos jovens. Pode-se “perambular” também virtualmente, “navegando” na internet, procurando informações ou contactos de todos os tipos. Infelizmente, não faltam aliás, existem muitos, demasiados! jovens que procuram paisagens mentais tanto fátuos como destruidores nos paraísos artificiais da droga. Como negar que são numerosos os jovens, e não jovens, tentados a seguir de perto a vida do jovem Francisco, antes da sua conversão? Por detrás daquele modo de viver havia o desejo de felicidade que habita cada coração humano. Mas podia aquela vida dar a alegria verdadeira? Francisco certamente não a encontrou. Estimados jovens, vós mesmos podeis fazer esta verificação a partir da vossa experiência. A verdade é que as coisas finitas podem dar centelhas de alegria, mas somente o Infinito pode encher o coração. Disse-o outro grande convertido, Santo Agostinho: “Criastes-nos para Vós, ó Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós” (Confissões, 1, 1).

Ainda o mesmo texto biográfico refere-nos que Francisco era bastante vaidoso. Gostava de fazer confeccionar para si vestes sumptuosas e buscava a originalidade (cf. 3 Comp 1, 2: FF 1396). Na vaidade, na busca da originalidade, há algo pelo que todos nós somos de alguma forma tocados.

Hoje, costuma-se falar de “cuidado da imagem”, ou de “busca da imagem”. Para podermos ter um mínimo de bom êxito, temos necessidade de creditar-nos aos olhos dos outros com algo de inédito, de original. Em certa medida, isto pode expressar um desejo inocente de ser bem acolhidos. Mas com frequência insinuam-se nisto o orgulho, a busca exagerada de nós mesmos, o egoísmo e o desejo de domínio. Na realidade, centrar a vida em nós mesmos é uma armadilha mortal: nós somente poderemos ser nós mesmos, se nos abrirmos ao amor, amando Deus e os nossos irmãos.

Um aspecto que impressionava os contemporâneos de Francisco era também a sua ambição, a sua sede de glória e de aventura. Foi isto que o impeliu para o campo de batalha, levando-o a terminar como prisioneiro por um ano em Perugia. Uma vez livre, a mesma sede de glória tê-lo-ia levado até às Apúlias, numa nova expedição militar, mas precisamente nesta circunstância, em Espoleto, o Senhor fez-se presente no seu coração, induziu-o a voltar pelos seus passos e a colocar-se seriamente à escuta da sua Palavra. É interessante observar como o Senhor tomou Francisco pelo seu lado, o do desejo de se afirmar, para lhe indicar o caminho de uma ambição santa, projectada rumo ao Infinito: “Quem te pode ser mais útil: o senhor ou o servo?” (3 Comp 2, 6: FF 1401), foi a pergunta que ele ouviu ressoar no seu coração. É como dizer: por que te contentares com depender dos homens, quando existe um Deus pronto a acolher-te na sua casa, no seu serviço real?

Dilectos jovens, recordastes-me alguns problemas da condição juvenil, da vossa dificuldade de construir para vós um futuro, e sobretudo do cansaço de discernir a verdade. Na narração da paixão de Cristo encontramos a pergunta de Pilatos: “O que é a verdade?” (Jo 18, 38). É a pergunta de um céptico, que diz: “Tu dizes que és a verdade, mas o que é a verdade?”. E assim, dado que a verdade é irreconhecível, Pilatos deixa entender: façamos segundo quanto é mais prático, segundo o que tem maior êxito, e não procurando a verdade. Depois, condena Jesus à morte, porque segue o pragmatismo, o sucesso e a sua própria sorte. Também hoje, muitos perguntam: “Mas o que é a verdade? Podemos encontrar alguns dos seus fragmentos, mas como poderemos encontrar a verdade?”. É realmente árduo acreditar que esta é a verdade: Jesus Cristo, a verdadeira Vida, a bússola da nossa vida. E todavia, se começássemos, como é uma grande tentação, a viver apenas segundo as possibilidades do momento, sem verdade, verdadeiramente perdemos também o fundamento da paz comum, que pode ser unicamente a verdade. E esta verdade é Cristo. A verdade de Cristo verificou-se na vida dos santos de todos os séculos. Os santos constituem o grande vestígio de luz na história, que atesta: esta é a vida, este é o caminho, esta é a verdade. Por isso, tenhamos a coragem de dizer sim a Jesus Cristo: “A tua verdade verificou-se na vida de muitos santos. Nós seguimos-te!”. Prezados jovens, ao vir aqui da Basílica do Sacro Convento, pensei que falar quase uma hora sozinho talvez não seja um bem. Por isso, penso que agora seria o momento para uma pausa, para um canto. Sei que tendes muitos cânticos, e talvez neste momento eu possa ouvir um destes vossos cantos.

Então, ouvimos repetir no cântico que São Francisco ouviu uma voz. Ouviu no seu coração a voz de Cristo; e o que aconteceu? Aconteceu que compreendeu que devia colocar-se ao serviço dos irmãos, sobretudo dos mais sofredores. Tal é a consequência deste primeiro encontro com a voz de Cristo. Hoje de manhã, passando por Rivotorto, lancei um olhar ao lugar em que, segundo a tradição, estavam reunidos os leprosos: os últimos, os marginalizados, em relação aos quais Francisco experimentava um irresistível sentido de repugnância. Sensibilizado pela graça, ele abriu-lhes o seu coração. E fê-lo não somente através de um misericordioso gesto de esmola seria demasiado pouco mas beijando-os e servindo-os. Ele mesmo confessa que aquilo que antes lhe resultava amargo, se lhe tornou “doçura de alma e de corpo” (2 Test 3: FF 110).

Portanto, a graça começou a plasmar Francisco. Ele tornou-se cada vez mais capaz de fixar o seu olhar no rosto de Cristo e de ouvir a sua voz. Foi naquele momento que o Crucifixo de São Damião lhe dirigiu a palavra, chamando-o para uma missão ousada: “Vai, Francisco, repara a minha casa que, como vês, está totalmente em ruína” (2 Cel I, 6, 10: FF 593). Ao parar hoje de manhã em São Damião, e depois na Basílica de Santa Clara, onde se conserva o Crucifixo original que falou a Francisco, também eu fixei o meu olhar naqueles olhos de Cristo. É a imagem de Cristo Crucificado-Ressuscitado, vida da Igreja, que fala inclusive em nós se estamos atentos, como há dois mil anos falou aos seus apóstolos e há oitocentos anos falou a Francisco. A Igreja vive continuamente deste encontro.

Sim, caros jovens: deixemo-nos encontrar por Cristo! Confiemos nele, ouçamos a sua Palavra. Nele não há somente um ser humano fascinante. Sem dúvida, Ele é plenamente humano e em tudo semelhante a nós, excepto no pecado (cf. Hb 4, 15). Todavia, é também muito mais: nele Deus fez-se homem e, portanto, Ele é o único Salvador, como diz o seu próprio nome: Jesus, ou seja, “Deus salva”. A Assis as pessoas vêm para aprender de São Francisco o segredo para reconhecer Jesus Cristo e fazer a Sua experiência. Eis o que Francisco sentia por Jesus, segundo quanto narra o seu primeiro biógrafo: “Ele tinha Jesus sempre no coração. Jesus nos lábios, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os outros membros… Aliás, encontrando-se muitas vezes em viagem e meditando ou cantando Jesus, esquecia-se que estava em viagem e detinha-se para convidar todas as criaturas ao louvor de Jesus” (1 Cel II, 9, 115: FF 115). Deste modo, vemos que a comunhão com Jesus abre também o coração e os olhos para a Criação.

Em síntese, Francisco era um verdadeiro apaixonado por Jesus. Encontrava-o na Palavra de Deus, nos irmãos e na natureza, mas sobretudo na sua presença eucarística. A este propósito, escrevia no Testamento: “Do mesmo altíssimo Filho de Deus, nada mais vejo corporalmente neste mundo, a não ser o seu santíssimo corpo e o seu santíssimo sangue” (2 Test 10: FF 113). O Presépio de Greccio exprime a necessidade de O contemplar na sua terna humanidade de Menino (cf. 1 Cel I, 30, 85-86: FF 469-470). A experiência de La Verna, onde recebeu os estigmas, mostra a que nível de intimidade ele tinha chegado na relação com Cristo crucificado. Com Paulo, ele podia realmente dizer: “Para mim, viver é Cristo” (Fl 1, 21). Se se despoja de tudo e escolhe a pobreza, o motivo de tudo isto é Cristo, é somente Cristo. Jesus é o seu tudo: e basta-lhe!

Exactamente porque pertence a Cristo, Francisco pertence também à Igreja. Do Crucifixo de São Damião, ele recebeu a indicação de reparar a casa de Cristo, que é precisamente a Igreja. Entre Cristo e a Igreja existe uma relação íntima e indissolúvel. Sem dúvida, ser chamado a repará-la implicava, na missão de Francisco, algo de próprio e de original. Ao mesmo tempo, aquela tarefa nada mais era, em última análise, do que a responsabilidade atribuída por Cristo a cada baptizado.

E inclusive a cada um de nós, Ele diz: “Vai, repara a minha casa”. Todos nós somos chamados a reparar de novo, em cada geração, a casa de Cristo, a Igreja. E a Igreja vive e torna-se bela, somente quando age deste modo. E como sabemos, existem muitas formas de reparar, de edificar, de construir a casa de Deus, a Igreja. Além disso, ela edifica-se através das vocações mais diversificadas, da laical e familiar, à vida de especial consagração, à vocação sacerdotal.

Nesta altura, desejo dedicar uma palavra precisamente a esta última vocação. Francisco, que foi diácono, não sacerdote (cf. 1 Cel I, 30, 86: FF 470), nutria pelos sacerdotes uma grande veneração. Embora soubesse que também nos ministros de Deus há muita pobreza e fragilidade, via-os como ministros do Corpo de Cristo, e isto bastava para fazer brotar nele um sentido de amor, de reverência e de obediência (cf. 2 Test 6-10: FF 112-113). O seu amor pelos sacerdotes é um convite a redescobrir a beleza desta vocação. Ela é vital para o povo de Deus. Amados jovens, circundai de amor e gratidão os vossos sacerdotes. Se o Senhor tivesse que chamar algum de vós para este grande ministério, como também para alguma forma de vida consagrada, não hesiteis em dizer o vosso sim. Sim, não é fácil, mas é bom ser ministro do Senhor, é bom prodigalizar a vida por Ele!

O jovem Francisco sentia um afecto verdadeiramente filial pelo seu Bispo, e foi nas suas mãos que, despojando-se de tudo, fez a profissão de uma vida já totalmente consagrada ao Senhor (cf. 1 Cel I, 6, 15: FF 344). Sentia de modo especial a missão do Vigário de Cristo, a quem submeteu a sua Regra e confiou a sua Ordem. Se os Papas mostraram tanto afecto por Assis, ao longo da história, isto constitui num certo sentido uma retribuição do carinho que Francisco teve pelo Papa. Caríssimos jovens, sinto-me feliz por estar aqui, na esteira dos meus Predecessores, e de maneira particular do amigo, do amado Papa João PauloII.

Como que em círculos concêntricos, o amor de Francisco por Jesus dilata-se não apenas na Igreja, mas em todas as coisas, vistas em Cristo e por Cristo. Daqui nasce o Cântico das Criaturas, em que o olho descansa no esplendor da Criação: do irmão sol à irmã lua, da irmã água ao irmão fogo. O seu olhar interior tornou-se assim puro e penetrante, a ponto de vislumbrar a beleza do Criador na beleza das criaturas. O Cântico do irmão sol, antes de constituir uma elevadíssima página de poesia e um convite implícito ao respeito pela Criação, é uma oração, um louvor que se dirige ao Senhor, ao Criador de todas as coisas.

Sob a perspectiva da oração é preciso ver também o compromisso de Francisco pela paz. Este aspecto da sua vida é de grande actualidade, num mundo que tem tanta necessidade de paz e não consegue encontrar o seu caminho. Francisco foi um homem de paz e um pacificador. Mostrou-o inclusive na mansidão com que se colocou, todavia sem jamais silenciar a sua fé, diante de homens de outros credos, como demonstra o seu encontro com o Sultão (cf. 1 Cel I, 20, 57: FF 422). Se hoje o diálogo inter-religioso, especialmente depois do Concílio Vaticano II, se tornou património comum e irrenunciável da sensibilidade cristã, Francisco pode ajudar-nos a dialogar autenticamente, sem cair numa atitude de indiferença em relação à verdade ou à atenuação do nosso anúncio cristão. O facto de ser um homem de paz, de tolerância e de diálogo nasce sempre da experiência de Deus-Amor. Não por acaso, a sua saudação de paz é uma oração: “O Senhor te conceda a paz” (2 Test 23: FF 121).

Prezados jovens, a vossa numerosa presença aqui diz como a figura de Francisco fala ao vosso coração. É de bom grado que vos volto a transmitir a sua mensagem, mas sobretudo a sua vida e o seu testemunho. Chegou a hora de jovens que, como Francisco, vivam seriamente e saibam estabelecer uma relação pessoal com Jesus. Chegou a hora de considerar a história deste terceiro milénio, há pouco iniciado, como uma história que tem mais necessidade do que nunca de ser fermentada pelo Evangelho.

Faço mais uma vez meu o convite que o meu amado Predecessor, João Paulo II, gostava de dirigir, especialmente aos jovens: “Abri as portas a Cristo”. Abri-as à maneira de Francisco, sem medo, sem cálculos, sem medida. Caros jovens, sede a minha alegria, como o fostes de João Paulo II. Desta Basílica dedicada a Santa Maria dos Anjos, marco um encontro convosco na Santa Casa de Loreto, nos primeiros dias de Setembro, para a Ágora dos jovens italianos.

Concedo-vos a todos a minha Bênção! Obrigado por tudo, pela vossa presença e pela vossa oração.