Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Terceiro domingo do Advento

Terceiro domingo do Advento

A alegria do mínimo essencial

 

Frei Gustavo Medella

No Domingo da Alegria, mais uma vez ganha relevo a figura de João Batista, o preparador, aquele que facilita a chegada do Messias ao coração do povo. Vive feliz porque se atém ao essencial. À custa de uma vida austera, consegue libertar-se de toda sorte de vaidade e de autorreferencialidade. Tem alegria e satisfação de ser quem é: não é o Messias, não é Elias e tampouco é o Profeta. Reconhece-se como voz no deserto a anunciar a Palavra de transformação capaz de fecundar o terreno seco, de curar a dor das feridas, de conferir liberdade aos cativos (Cf. Is 61,1).

A João, nosso agradecimento por nos apresentar o caminho do discipulado alegre, sem ambição, engajado, transformador. Graças à sua pedagogia da humildade e da discrição, tivemos a chance de aprender o desconcertante caminho do despojamento que nos conduz a Belém, que nos leva a reconhecer a presença salvífica de Deus num cenário absolutamente desprovido de sinais de grandiosidade e poder: a alegria do mínimo, mas essencial, do quase nada que contém o todo necessário. O Menino das Palhas seja sempre nossa grande alegria!


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Is 61,1-2a.10-11

1O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos; 2apara proclamar o tempo da graça do Senhor.

10Exulto de alegria no Senhor e minh’alma regozija-se em meu Deus; ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa, ou uma noiva com suas joias. 11Assim como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça e a sua glória diante de todas as nações.


Salmo Responsorial: Ct. Lc 1

— A minh’alma se alegra no meu Deus.

— A minh’alma se alegra no meu Deus.

— A minha alma engrandece ao Senhor,/ e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador,/ pois, ele viu a pequenez de sua serva,/ desde agora as gerações hão de chamar-me de bendita.

— O Poderoso fez por mim maravilhas./ E Santo é o seu nome!/ Seu amor, de geração em geração,/ chega a todos que o respeitam.

— De bens saciou os famintos,/ e despediu os ricos sem nada./ Acolheu Israel, seu servidor,/ fiel ao seu amor.


Segunda Leitura: 1Ts 5,16-24

Irmãos: 16Estai sempre alegres! 17Rezai sem cessar. 18Dai graças em todas as circunstâncias, porque essa é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo. 19Não apagueis o espírito! 20Não desprezeis as profecias, 21mas examinai tudo e guardai o que for bom. 22Afastai-vos de toda espécie de maldade! 23Que o próprio Deus da paz vos santifique totalmente, e que tudo aquilo que sois — espírito, alma, corpo — seja conservado sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo! 24Aquele que vos chamou é fiel; ele mesmo realizará isso.


A testemunha não é o Salvador

Evangelho: Jo 1,6-8.19-28

6 Apareceu um homem enviado por Deus, que se chamava João. 7 Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. 8 Ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz.

-* 19 O testemunho de João foi assim. As autoridades dos judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntarem a João: «Quem é você?» 20 João confessou e não negou.

Ele confessou: «Eu não sou o Messias.» 21 Eles perguntaram: «Então, quem é você? Elias?» João disse: «Não sou.» Eles perguntaram: «Você é o Profeta?» Ele respondeu: «Não.» Então perguntaram: 22 «Quem é você? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. Quem você diz que é?» 23 João declarou: «Eu sou uma voz gritando no deserto: ‘Aplainem o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías.»

24 Os que tinham sido enviados eram da parte dos fariseus. 25 E eles continuaram perguntando: «Então, por que é que você batiza, se não é o Messias, nem Elias, nem o Profeta?» 26 João respondeu: «Eu batizo com água, mas no meio de vocês existe alguém que vocês não conhecem, 27 e que vem depois de mim. Eu não mereço nem sequer desamarrar a correia das sandálias dele.»

28 Isso aconteceu em Betânia, na outra margem do Jordão, onde João estava batizando.

* 1,1-18: O Prólogo de João lembra a introdução do Gênesis (1,1-31; 2,1-4a). No começo, antes da criação, o Filho de Deus já existia em Deus, voltado para o Pai: estava em Deus, como a Expressão de Deus, eterna e invisível. O Filho é a Imagem do Pai, e o Pai se vê totalmente no Filho, ambos num eterno diálogo e mútua comunicação.

A Palavra é a Sabedoria de Deus vislumbrada nas maravilhas do mundo e no desenrolar da história, de modo que, em todos os tempos, os homens sempre tiveram e têm algum conhecimento dela.

Jesus, Palavra de Deus, é a luz que ilumina a consciência de todo homem. Mas, para onde nos conduziria essa luz? A Bíblia toda afirma que Deus é amor e fidelidade. Levado pelo seu imenso amor e fiel às suas promessas, Deus quis introduzir os homens onde jamais teriam pensado: partilhar a própria vida e felicidade de Deus. E para isso a Palavra se fez homem e veio à sua própria casa, neste seu mundo.

A humanidade já não está condenada a caminhar cegamente, guiando-se por pequenas luzes no meio das trevas, por pequenas manifestações de Deus, mas pelo próprio Jesus, Manifestação total de Deus. Com efeito, Jesus Cristo, que é a luz, veio para tornar filhos de Deus todos os homens. Um só é o Filho, porém, todos podem tornar-se bem mais do que filhos adotivos: nasceram de Deus.

Deus tinha dado uma lei por meio de Moisés. E todos os judeus achavam que essa lei era o maior presente de Deus. Na realidade, era bem mais o que Deus tinha reservado para todos. Porque Jesus, o Deus Filho, o verdadeiro e total Dom do Pai, é o único que pode falar de Deus Pai, porque comunica o amor e a fidelidade do Deus que dá a vida aos homens.

* 19-28: Quando João Batista começou a pregação, os judeus estavam esperando o Messias, que iria libertá-los da miséria e da dominação estrangeira. João anunciava que a chegada do Messias estava próxima e pedia a adesão do povo, selando-a com o batismo. As autoridades religiosas estavam preocupadas e mandaram investigar se João pretendia ser ele o Messias. João nega ser o Messias, denuncia a culpa das autoridades, e dá uma notícia inquietante: o Messias já está presente a fim de inaugurar uma nova era para o povo.

Messias é o nome que os judeus davam ao Salvador esperado. Também o chamavam o Profeta. E, conforme se acreditava, antes de sua vinda deveria reaparecer o profeta Elias.

João Batista é a testemunha que tem como função preparar o caminho para os homens chegarem até Jesus. Ora, a testemunha deve ser sincera, e não querer o lugar da pessoa que ela está testemunhando.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

3º Domingo do Advento

 Oração: “Ó Deus de bondade, que vedes o vosso povo esperando fervoroso o natal do Senhor, dai chegarmos às alegrias da salvação e celebrá-las sempre com intenso júbilo na solene liturgia”.

  1. Primeira leitura: Is 61,1-2a.10-11

Exulto de alegria no Senhor.

O anúncio cheio de esperança de um profeta anônimo foi dado quando os exilados retornaram da Babilônia. O profeta de Is 61 (3º Isaías) tem a experiência do Espírito e se considera um ungido, uma pessoa escolhida pelo Senhor para anunciar a boa-nova (evangelho) aos pobres. Esta missão se desdobrava em três ações: a) curar as feridas da alma; b) pregar a redenção para os cativos e a liberdade aos que estavam presos; c) e proclamar o tempo da graça do Senhor, o ano do perdão. As feridas da alma são as que mais doem: Israel era um povo humilhado, oprimido pelos dominadores, uma sociedade dividida e com os laços de fraternidade rompidos. Havia muita gente presa, especialmente os empobrecidos por não conseguirem pagar suas dívidas e, por isso, perderam suas terras e até a família. Havia um conflito entre a população local que não foi exilada e os que voltaram do exílio. Era preciso restaurar a lei do perdão das dívidas (ano da graça), quando cada um podia voltar à sua propriedade, confiscada por dívidas (Lv 25) e recuperar a liberdade. Era preciso recompor a comunidade do povo de Deus. Com a mensagem de Is 61 Jesus explica sua ação missionária aos conterrâneos de Nazaré, donde é expulso (Lc 4,16-30). Como o profeta de Is 61 também Jesus é impulsionado pelo Espírito do Senhor (cf. Lc 3,21-22; 4,1.16-21), para trazer uma alegre notícia para os pobres, humilhados e sofredores.

Salmo responsorial: Lc 1,46-48.49-50.53-54

A minha alma se alegra no meu Deus.

  1. Segunda leitura: 1Ts 5,16-24

Vosso espírito, vossa alma e vosso corpo

sejam conservados para a vinda do Senhor.

As palavras de Paulo fazem parte de uma grande ação de graças pelo fato de os cristãos serem participantes da salvação integral (espírito, alma, corpo), trazida por Cristo. A Carta de Paulo aos Tessalonicenses respira a esperança da próxima vinda de Cristo (segunda vinda). O que fazer enquanto esperamos a vinda do Senhor? – Rezar e agradecer continuamente a Deus; não criar obstáculos à ação do Espírito em nós; esperar o Senhor com grande alegria. Paulo pede que Deus santifique os cristãos em tudo que são (espírito, alma e corpo) e os conserve sem mancha para a vinda do Senhor. Pois “aquele que vos chamou é fiel; ele mesmo realizará isso”. Os conselhos continuam válidos para nós, que vivemos entre a primeira vinda de Cristo (Natal) e a segunda vinda, no fim dos tempos.

Aclamação ao Evangelho: Is 61,1 (Lc 4,18)

         O Espírito do Senhor sobre mim fez a sua unção,

            enviou-me aos empobrecidos a fazer feliz proclamação.

  1. Evangelho: Jo 1,6-8.19-28

No meio de vós está aquele que vós não conheceis.

João Batista, precursor de Jesus, tinha os seus discípulos. Dois deles tornaram-se até discípulos de Jesus (Jo 1,40). Muitos, no entanto, pensavam que João Batista fosse o Messias esperado por Israel. Por isso os fariseus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar a João quem ele era; se era o Messias, ou o profeta Elias, que devia voltar, ou algum profeta. João negou tudo e declarou: “Eu sou a voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor!” O Evangelho de hoje explica que a missão de João era ser testemunha da verdadeira Luz, que é Jesus, o Messias esperado. A missão do Batista consistia em preparar o povo para a fé em Jesus Cristo (Jo 1,7; cf. At 19,4). E para as autoridades de Jerusalém, que o questionaram por estar batizando, João disse: “Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis”. Sim, o Messias tão esperado já estava presente, no meio do povo; era ainda desconhecido, mas já causava uma grande alegria. E a missão do Batista era alertar o povo para que preparasse o caminho do Senhor, porque a grande Luz já estava brilhando. Era tornar conhecido o Messias salvador, já presente no meio do povo. – Na aclamação ao Evangelho o próprio Jesus se apresenta como o Messias esperado, o Ungido pelo Espírito do Senhor para anunciar a boa-nova aos pobres.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Não é o Messias, mas seu profeta

Frei Clarêncio Neotti

Pelas perguntas feitas a João Batista, vemos que ele se assemelhava a três pessoas ao menos, que estavam no centro da esperança e da piedade do povo. Seu comportamento e sua pregação levavam à semelhança. Mas ele confessa claramente não ser nenhuma das três. E ao negar ser uma delas, enfoca Jesus de Nazaré, mais santo que Elias, maior que ‘o Profeta’, e de quem nem ele nem Elias nem o Profeta são dignos de desamarrar-lhe os cadarços das sandálias, ou seja, sequer são dignos de serem seus serviçais.

A primeira semelhança de João Batista é com o Messias ou o Cristo esperado. Cristo e Messias são termos com o mesmo sentido. Messias é termo aramaico (a língua materna de Jesus), e Cristo é um termo grego (a língua mais falada no tempo de Jesus). Apesar de colônia romana, era o grego a língua mais falada na Palestina no tempo de Jesus, depois do hebraico e do aramaico. Tanto Messias quanto Cristo significam o ungido, o consagrado por Deus para ser rei. Desde o primeiro século antes de Cristo o termo indicava claramente o redentor que viria. Lendo os profetas, o povo estava convencido de que o Messias deveria ser um descendente de Davi, como aparece também no Cântico de ação de graças de Zacarias, pai de João Batista (Lc 1,69-70).

Mateus se esforçará para mostrar que Jesus, apesar de sua origem divina, é descendente de Davi (Mt 1,1-17). Muitas vezes Jesus foi chamado de ‘Filho de Davi’ (Mt 1,1; Lc 18,38; 20,41). A grande aclamação na entrada triunfal em Jerusalém foi “Hosana ao filho de Davi, que vem em nome do Senhor!” (Mt 21,9).

Mas no tempo de Jesus, o conceito de Messias havia-se ampliado. Tinha forte colorido político-libertador. Percebe-se que Jesus, aceitando o título e chamando-se a si mesmo de Messias ou Cristo (Mt 16,16; Me 14,61; Jo 6,70), e sendo um verdadeiro libertador, evita que se deturpe e se apequene o sentido de sua missão divina e universal a troco de um sectarismo partidário e temporal.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

 

Alegria

Frei Almir Guimarães

Alegrai-vos sempre no Senhor. De novo eu vos digo, alegrai-vos! O Senhor está perto  (Fl 4,4-5)

♦ A alegria é um presente belo, mas também vulnerável. Um dom que devemos cuidar com humildade e generosidade no fundo da alma. O romancista alemão Hermann Hesse diz que os rostos atormentados, nervosos e tristes de tantos homens e mulheres se devem ao fato de que a felicidade só pode senti-la a alma, e não a razão, nem o ventre, nem a cabeça, nem o bolso (Pagola, Lucas p. 25)

♦ Este terceiro domingo do Advento é conhecido como domingo da alegria. A leitura do profeta Isaías hoje proclamada fala de um tempo de beleza: boas novas aos humildes, libertação dos cativos, coração exultante, uma noiva coberta de joias. A comemoração do nascimento de Jesus e tudo a ele vinculado constituem os motivos da alegria. Nunca nos esqueçamos que a ressurreição do Senhor é que nos trouxe indelével alegria. “Maria, por que choras? Não roubaram o teu Senhor. Ele vive. Ninguém pode tirar a tua alegria”. A singeleza da proximidade de Deus, sua visita no Menino das Palhas, faz com que tenhamos confiança no futuro. Esse Deus que se manifestou no Natal quer ser Deus conosco, quer acompanhar nossos passos, estar perto de nossos acertos e relativizar nossos desacertos.

♦ João Batista se posta diante de nós pedindo que preparemos os caminhos do Senhor, que venhamos a desobstruir nosso interior para que a brisa suave do Senhor nos visite pessoalmente e que sempre de novo retomemos nosso processo de conversão pessoal e no seio da Igreja. Para receber o Salvador a casa precisa ter nas paredes, portas, janelas e dependências o perfume da verdade, da coerência, de vida feita para os outros e devotado ao que nos ama até o fim. E  sobretudo o desejo que é sede do Mistério no qual estamos imersos. Sem conversão perecemos. Vegetamos. Viver a ilusão da vida. E a vida não pode ser ilusão.

♦ Tudo isso precisa nos envolver em clima de alegria. Tema difícil, esse da alegria. Não se trata de sermos adeptos de uma felicidade pequena, conforto, carros, dinheiro rendendo enquanto dormimos, nossos filhos bem na vida, risos, viagens. Merecemos tudo isso e temos direito a esses momentos de contentamento. Consistirá nisso a alegria mais profunda?

♦ Talvez a razão de tantas alegrias fugazes se deva ao fato de esquecemos de cuidar de nossa vida interior e assim é importante para nós o que vem de fora, coisas, tudo fugaz. Pagola assim reflete: “ A alegria não é fácil. Não se pode forçar ninguém a ficar alegre; não se pode impor a alegria a partir de fora. A verdadeira alegria deve nascer do mais profundo de nós mesmos. Do contrário será riso exterior, gargalhada vazia, euforia passageira, mas a alegria ficará  fora, à porta de nosso coração” (Pagola, Lucas p.25).

♦ Jürgen Moltmann: “A palavra última e primeira da grande libertação que vem de Deus não é ódio, mas alegria; não é condenação mas absolvição. Cristo nasce da alegria de Deus e morre e ressuscita para trazer alegria a este mundo contraditório e absurdo”.

A alegria se manifesta de múltiplas maneiras:

◊ Há certamente grandes manifestações de alegria: espetáculos de música, dança, festas mais importantes em que o corpo participa de uma alegria interior: canto, danças, fogos ,vida celebrada.

◊ Há essa refeição entre amigos para comemorar um aniversário ou um evento com o rito do estar juntos, a beleza da toalha e o carinho do que se come como sacramento da estima ou mero café expresso por duas pessoas que se encontraram na rua e se  estimam.

◊ Alegria tão simples: um email carinhoso, um delicado presente que recebemos, o sorriso e o beijo que menino levado recebe do pai depois de um bom pito e o menino se achega  junto ao peito do pai, alegria do dever cumprido mesmo com certa dificuldade, a alegria estampada no rosto da senhora de idade descascando goiabas  para fazer geleia…alegria que tem a ver com paz da consciência e confiança no amanhã, alegria do casal que passa pela igreja depois do nascimento do primeiro filho, alegria do resultado de uma biopsia, alegria da família que recebe para um almoço festivo o pai que, por caprichos do destino, cometeu um infração e passou meses prisão… alegria que não consiste em gargalhar mas  sorrir chorando ou chorar sorrindo.

♦ Precisamos saber fazer festa:  a festa interrompe a rotina cheia de tédio, reúne os dispersos, celebra a vida, confraterniza… O homem não é apenas feito para o trabalho e ficar preocupado com os lucros mas precisa cantar, dançar, gostar das cores, de claridade e não apenas do cinzento.

♦ Pode ser que muitos fizemos que o cristianismo se assemelhasse a uma realidade enfadonha, marcada pelo tédio… celebrações pesadas, discursos ameaçadores sobre castigos e pecados…  Há pessoas que bocejam durante uma celebração eucarística. Será que sabemos festejar? Pode ser que mesmo as festas mais tradicionais sejam marcadas pelo vazio. A celebração pode ser uma festa?

♦ Paira sempre um terrível mistério. Como alegrar-nos com nossos fracassos, com os sofrimentos do corpo, com filhos que morreram na luta contra a bandidagem… Será preciso ler a gramática da cruz do Senhor.

♦ Há alegrias mais profundas como a de sabermos que fomos inventados pelo amor para amar. Que Deus não nos criou para vivemos oprimidos, na miséria, na dor. Somos resultado de um plano de amor e esse plano não se interrompe. E esse amor se manifesta no  presépio do Menino das Palhas. Valemos muito as olhos de Deus. Delicado falar do tema da alegria quando sofremos injustiças, padecemos no corpo e no espírito. Deus sabe tirar proveito para nos mesmo quando os dias são de verter lágrimas.

♦ Cristãos e fiéis temos a convicção, apesar de sinais exteriores dizerem o contrário, de que nosso destino é a gloria. Alegria da esperança de sermos acolhido por Deus amor na soleira da sala do banquete da glória.  Carregamos no nosso mistério pessoal, ao longo da vida, sementes da festa que  não acaba. Tudo muda quando ser humano se sente acompanhado por  Deus.


Oração

O Senhor anda espreitando as agruras
que vivem os seus.
Uma voz grita:
“Fortalecei as mãos enfraquecidas.
Firmai os joelhos debilitados.
Criai ânimo,
Deus vem e vem para salvar”.
Os olhos dos cegos vão se abrir.
As pessoas poderão vislumbrar  o sentido de seus dias.
Os  surdos ouvirão palavras que partem do coração de Deus
e que atingem as pessoas de coração contrito.
Alegria pela vida, por ver os campos floridos,
alegria que se manifesta em nossos cantos e jubilações,
alegria que é presente dado aos que se entregam ao Mistério.
Alegria de vivermos novamente a esplendorosa humildade
Do nascimento de  Deus na terra dos homens.
Alegrai-vos sempre no  Senhor.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Aplainar o caminho para Jesus

José Antonio Pagola

“Entre vós há alguém que não conheceis”. Estas palavras foram pronunciadas pelo Batista referindo-se a Jesus que já se encontra entre aqueles que se aproximam do Jordão para serem batizados, embora ainda não se tenha manifestado. Toda preocupação do Batista é “aplainar o caminho” para que aquela gente possa crer em Jesus. É assim que as primeiras gerações cristãs apresentam a figura do Batista.

Mas as palavras dele foram redigidas de tal forma que, lidas por nós que nos dizemos cristãos, não deixam de provocar perguntas inquietantes. Jesus está no meio de nós, mas será que o conhecemos de verdade? Comungamos com Ele e o seguimos de perto?

É verdade que na Igreja estamos sempre falando de Jesus. Teoricamente, não há nada mais importante para nós. Mas depois pode-se ver que estamos girando tanto sobre nossas ideias, projetos e atividades que muitas vezes Jesus fica em segundo plano. Somos nós mesmos que, sem dar-nos conta, o “ocultamos” com nosso protagonismo.

Talvez a maior desgraça do cristianismo seja o fato de que existem tantos homens e mulheres que se dizem “cristãos”, mas não dão lugar a Jesus em seu coração. Não o conhecem, nem vibram com Ele, não são atraídos nem seduzidos por Ele. Para eles, Jesus é uma figura inerte e apagada. Está mudo. Não lhes diz nada especial que dê animo à sua vida. Sua existência não traz a marca de Jesus.

Esta Igreja precisa urgentemente de “testemunhas” de Jesus, crentes que se pareçam mais com Ele, cristãos que, com sua maneira de ser e de viver, facilitem o caminho para crer em Cristo. Necessitamos de testemunhas que falem de Deus como Ele falava, que comuniquem sua mensagem de compaixão como Ele o fazia, que transmitam confiança no Pai como Ele.

De que servem nossas catequeses e pregações, se não levam a conhecer, amar e seguir com mais fé e mais alegria a Jesus Cristo? O que resta de nossas Eucaristias, se não ajudam a comungar de maneira mais viva com Jesus, com seu projeto e com sua entrega crucificada a todos? Na Igreja ninguém é “a luz”, mas todos podemos irradiá-la com nossa vida. Ninguém é “a Palavra de Deus”, mas todos podemos ser uma voz que convida e anima a centrar o cristianismo em Jesus Cristo.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Alegria por causa de Deus, escondido, mas próximo

Pe. Johan Konings, SJ

Em meio ao estresse de uns e a miséria de outros faz bem ouvir uma mensagem de alegria: “Transbordo de alegria por causa do Senhor… Como a terra produz a vegetação e o jardim faz brotar suas sementes, assim o Senhor fará brotar a justiça e a glória diante de todas as nações”. Este trecho, o “Magnificat do Antigo Testamento”, é a expressão de um povo que acredita na sua renovação, porque Deus está aí (1ª leitura).

Geralmente as pessoas têm medo da presença de Deus (cf. Is 6,5). Foi preciso que Deus se desse a conhecer de maneira diferente para que superássemos esse medo. Mas esse “Deus diferente” estava escondido. Quem nos prepara para a descoberta é João Batista, hoje apresentado na ótica do Evangelho de João. Ele não é a luz, mas vem testemunhar da luz (Jô 1,6-8). Ele não é o Messias, nem o Profeta (novo Moisés), nem Elias (1,21). Ele se identifica com a voz que convida o povo a preparar uma estrada para a chegada do Senhor (1,23, cf. Is 40,3). E anuncia: “No meio de vós está alguém que não conheceis, aquele que vem depois de mim, e do qual não sou digno de desatar a correia da sandália” (1, 26-27). Naquele que o Batista anuncia manifesta-se que Deus está perto de nós, não como realidade assustadora, mas como pessoa humana que nos ama com tanta fidelidade que dá até sua vida por nós. Não é essa uma razão de alegria? Alegria contida, pois sabemos quanto custou a Jesus manifestar a presença de Deus desse jeito…

Por que Deus não veio logo com todo o seu poder? Deus prefere ficar escondido. É discreto. Quer deixar espaço para nós, para construirmos a História que Deus nos confia. Discretamente assim, quer participar ativamente de nossa história, em Jesus, para que aprendamos a fazer a história do jeito dele. E esse jeito se chama shalom: paz e felicidade. Lembrando a vinda de Jesus ao mundo, celebramos a presença discreta de Deus em nossa história. Que significa “alegria” no mundo de hoje? Réveillon num restaurante cinco estrelas? Bem diferente é a imagem que surge da 2ª leitura: “Estai sempre alegres, orai sem cessar, por tudo daí graças. Não apagueis o Espírito….”As primeiras comunidades cristãs viviam na espera da volta gloriosa de Jesus para breve. Eram animadas pelo Espírito de Deus, que os fazia até falar profeticamente. Por isso era preciso “examinar e ficar com o que fosse bom” (5,19), pois havia também “profetas confusos”, como hoje… Mas o importante era que reinasse a alegria por causa da proximidade do Senhor. Deus mesmo quer nos aperfeiçoar e santificar e não desiste: “Quem vos chamou é fiel: ele o fará” (5,24). A alegria é saber-se aceito por Deus, como a amada pelo amado (cf. 1ª leitura).

Talvez esta imagem da alegria não convença todos. É pouco publicitária… Ora, este terceiro domingo do Advento chama-se pela primeira palavra da antiga antífona em latim, “Gaudete”, “Alegrai-vos”. Se não formos capazes de participar dessa alegria, esticando o pescoço no alegre desejo de ver aquele que está discretamente presente no meio de nós, alguma coisa não está certa…


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella