Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

29º Domingo do Tempo Comum

29º Domingo do Tempo Comum

É para baixo que se sobe

 

Frei Gustavo Medella

Jesus segue com sua catequese sobre o Reino de Deus. No último domingo, a partir do encontro com o homem rico, apresentou-nos que o caminho do discipulado não se faz com mochila cheia e pesada, com acúmulo de bens e de dinheiro. Ao contrário é o despojamento que confere ao discípulo a liberdade e a agilidade necessárias para empreender esta viagem de amor e de fé. Recordamos ainda que a primeira Leitura explicitava o fato de a sabedoria ser muito mais valiosa do que ouro. A realização plena não se compra com conta bancária recheada ou com investimentos em paraísos fiscais.

Neste domingo, quando se celebra também o Dia Mundial das Missões, Jesus ensina, a partir do pedido de dois de seus discípulos próximos, Tiago e João, que o discipulado não é uma carreira profissional, onde a trajetória sonhada se constitui numa subida de degraus que levam ao poder e à fama. A direção, aliás, é oposta. No Reino, a grandeza se alcança descendo a escada da humildade e da entrega. O único poder do qual Jesus fez questão foi o de se colocar como servo de todos, sem exceção. É esta lição, aparentemente paradoxal, daquele que sobe descendo, que a Profecia de Isaías (Is 53,10-11), proclamada na Primeira Leitura, vem confirmar ao apresentar a figura do “Servo Sofredor”.

As lições do Reino apresentadas por Jesus são sempre um desafio. Com facilidade, em termos individuais, comunitários e até eclesiais, pode-se ceder à tentação de seguir por outro caminho, mais confortável para o ego, mais conforme aos valores propagados no contexto atual. Vencer a tentação da fama, da ganância e do prazer é tarefa cotidiana de quem se dispõe a seguir os passos do “Servo Sofredor”.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Isaías 53,10-11

10 O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor. 11 Por esta vida de sofrimento, alcançará luz e uma ciência perfeita. Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas.
Palavra do Senhor.


Sl 32(33)

Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, / pois em vós nós esperamos!
Pois reta é a Palavra do Senhor, / e tudo o que ele faz merece fé. / Deus ama o direito e a justiça, / transborda em toda a terra a sua graça. – R.
Mas o Senhor pousa o olhar sobre os que o temem / e que confiam, esperando em seu amor, / para da morte libertar as suas vidas / e alimentá-los quando é tempo de penúria. – R.
No Senhor nós esperamos confiantes, / porque ele é nosso auxílio e proteção! / Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, / da mesma forma que em vós nós esperamos! – R.


Segunda Leitura: Hebreus 4,14-16

Irmãos, 14 temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. 15 Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. 16 Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno.

Palavra do Senhor.


O pedido de Tiago e João

Evangelho: Mc 10, 35-45

35 Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: «Mestre, queremos que faças por nós o que vamos te pedir.» 36 Jesus perguntou: «O que vocês querem que eu lhes conceda?» 37 Eles responderam: «Quando estiveres na glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda.» 38 Jesus então lhes disse: «Vocês não sabem o que estão pedindo. Por acaso vocês podem beber o cálice que eu vou beber? Podem ser batizados com o batismo com que eu vou ser batizado?» 39 Eles responderam: «Podemos.» Jesus então lhes disse: «Vocês vão beber o cálice que eu vou beber, e vão ser batizados com o batismo com que eu vou ser batizado. 40 Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou esquerda. É Deus quem dará esses lugares àqueles, para os quais ele preparou.» 41 Quando os outros dez discípulos ouviram isso, começaram a ficar com raiva de Tiago e João. 42 Jesus chamou-os e disse: «Vocês sabem: aqueles que se dizem governadores das nações têm poder sobre elas, e os seus dirigentes têm autoridade sobre elas. 43 Mas, entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, 44 e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos. 45 Porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos.»

* 32-45: Jesus anuncia a sua morte como consequência de toda a sua vida. Enquanto isso, Tiago e João sonham com poder e honrarias, suscitando discórdia e competição entre os outros discípulos. Jesus mostra que a única coisa importante para o discípulo é seguir o exemplo dele: servir e não ser servido. Em a nova sociedade que Jesus projeta, a autoridade não é exercício de poder, mas a qualificação para serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

29º Domingo do Tempo Comum 

Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, dai-nos a graça de estar sempre ao vosso dispor, e vos servir de todo o coração”.

  1. Primeira leitura: Is 53,10-11

Oferecendo sua vida em expiação,

ele terá descendência duradoura. 

Na segunda parte do Livro de Isaías (Is 40–55) estão inseridos quatro hinos, chamados Cânticos do Servo do Senhor. O texto do presente domingo faz parte do quarto cântico, cujo texto integral é lido na Sexta Feira Santa. O Servo Sofredor pode representar um indivíduo ou o próprio povo de Israel, exilado na Babilônia. No texto devemos prestar atenção a três personagens: Deus que tem um plano de salvação, o Servo Sofredor que obedece e o executa e os inúmeros homens justificados. No mesmo relacionamento estamos nós, enquanto assembleia que celebra a Eucaristia.O sofrimento do Servo faz parte do plano de Deus – “o Senhor quis macerá-lo com sofrimentos”. O Servo, que é justo, cumpre a vontade do Senhor. Oferecendo sua vida em expiação pelos pecados de outros “fará justos inúmeros homens”, “terá uma descendência duradoura” e “alcançará luz e uma ciência duradoura”. A figura deste Servo Sofredor é misteriosa. Por isso, com razão o camareiro etíope perguntava ao diácono Filipe sobre o significado desta figura: “Dize-me de quem o profeta está falando? De si mesmo ou de outro”? – E Filipe pôs-se a falar de Jesus: Ele é o Servo do Senhor, que deu sua vida por nosso amor (At 8,34-35). Nós somos sua descendência duradoura! (Evangelho)

Salmo responsorial: Sl 32

     Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça,

            pois em vós nós esperamos!

  1. Segunda leitura: Hb 4,14-16

Aproximemo-nos, com confiança, do trono da graça. 

Domingo passado ouvimos que a Palavra de Deus é viva e eficaz, e penetra o mais profundo do ser humano. Ela se identifica com o próprio Filho de Deus feito homem, pelo qual Deus nos comunica seu amor. No texto de hoje o autor compara Jesus ao sumo sacerdote. No judaísmo o sumo-sacerdote tinha como função coordenar os servidores do Templo, supervisionar o culto, oferecer o sacrifício diário e, uma vez por ano, executar os ritos de expiação dos pecados. Era considerado o mediador por excelência entre Deus e seu povo. O sumo-sacerdote representava, sobretudo, a relação do povo com Deus, pela oferta de sacrifícios e pela intercessão. O sacerdócio de Jesus, porém, é superior ao judaico porque, como Filho de Deus, assumiu a natureza humana. Fez-se solidário com os homens em tudo, menos no pecado. É capaz de compadecer-se de nossas fraquezas porque foi provado pelo sofrimento. O Filho de Deus aproximou-se de nós, por isso podemos nos aproximar dele com toda confiança e obter a graça de sua misericórdia. Com estas palavras, o autor visa fortalecer a confiança dos judeu-cristãos que fraquejavam na sua fé em Jesus Cristo.

Aclamação ao Evangelho

Jesus Cristo veio servir, Cristo veio dar sua vida.

            Jesus Cristo veio salvar, viva Cristo, Cristo viva!

  1. Evangelho: Mc 10,35-45

O Filho do Homem veio para dar a sua vida

como resgate para muitos.

O texto do Evangelho faz parte do caminho de Jesus com os discípulos e o povo, que o seguem rumo a Jerusalém. Nos domingos anteriores, Jesus esclarecia ao longo do caminho sua missão como o Cristo/Messias, filho de Davi, e ensinava como devem agir os discípulos que o seguem. Na cena que precede o presente texto vimos Jesus indo à frente, enquanto os discípulos “o seguiam apreensivos e apavorados”. É que Jesus, pela terceira vez, lhes anunciava que seria condenado à morte pelos sumos sacerdotes e escribas e entregue aos pagãos. Que projeto haveria de se cumprir, o de Jesus ou o de seus discípulos apreensivos? A cena de hoje mostra os discípulos seguindo fisicamente o Mestre, mas ainda sem terem acolhido o projeto de Deus a respeito de Jesus como Messias. Na cabeça deles permanecia o projeto do poder e não o do serviço, abraçado por Jesus, o Servo Sofredor. Tanto assim que planejavam para a entrada em Jerusalém, proclamá-lo rei, o Messias descendente de Davi. Tiago e João, por sua vez, ambicionavam uma posição especial ao lado de Jesus neste reino sonhado pelos Doze: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória”. Jesus lhes pergunta se sabiam o que estavam pedindo: “Podeis beber o cálice que eu vou beber”? E eles respondem: “Podemos”. Os dois pensavam no cálice que o servente devia provar antes de oferecê-lo ao rei, para evitar um possível envenenamento. Eles eram até corajosos, pois o cargo ambicionado exigia confiança e também risco de vida. Jesus, porém, pensa no cálice do sofrimento (Mc 14,36) e lhes diz: “Vós bebereis o cálice que eu vou beber”, mas o lugar de honra ao seu lado já estava reservado para outros. – A propósito, Tiago é o primeiro apóstolo a sofrer o martírio pelo nome de Jesus (At 12,1-2). – Ao saber do pedido de Tiago e João, os outros ficaram indignados. Jesus, então chamou os Doze para dar-lhes uma lição. A proposta de Jesus não é a do poder que os chefes das nações ambicionam e tiranizam os povos. “Entre vós não deve ser assim”! Quem quiser ser grande ou o primeiro, deve servir como escravo de todos. O caminho do discípulo deve ser como o do Mestre: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”. O caminho ensinado e vivido por Jesus é o do serviço, a ser abraçado por todo cristão (cf. Jo 13).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Existimos para servir

Frei Clarêncio Neotti

Também Mateus e Lucas contam o episódio de hoje. Mateus deixa a mãe dos Zebedeus fazer o pedido (Mt 20,20-28), talvez para proteger um pouco a santidade posterior de João e Tiago. Lucas insere o episódio na Última Ceia (Lc 22,24-30), exatamente no lugar em que João conta o lava-pés (Jo 13,1-17). A lição de hoje é idêntica à lição do lava-pés.

A lição do serviço humilde foi-nos dada várias vezes por Jesus (Mt 20,28; 23,11; Lc 22,27; Jo 13,14-17). Toda a vida de Jesus foi um serviço. A Igreja, continuadora do corpo e da missão de Cristo na terra, declarou no Concílio que também ela existe para servir (Gaudium et Spes, 3). Em outro lugar, falando de sua obra missionária e de sua presença ativa no campo político-social, a Igreja afirma que toda a sua atividade é um serviço ao povo: “A Igreja não reclama para si nenhuma outra autoridade que não seja a de servir às criaturas humanas caridosa e fielmente” (Ad Gentes, 12). Podemos acrescentar: e servir desinteressadamente, gratuitamente.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A alegria do serviço

Frei Almir Guimarães

Fazer da vida um serviço

 

Mais uma vez chega aos nossos ouvidos passagem do Evangelho que nos fala do serviço. Os filhos de Zebedeu queriam garantir lugar de honra no mundo novo que Jesus estava instaurando. Depois da conversa com Tiago e João, Jesus dirige-se aos apóstolos, e lapidarmente afirma:

“Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes a tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos. Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”.

Na medida que vamos crescendo na fé, em que a vida vai nos ensinando a deixar de lado o secundário e agarrar o essencial, vamos compreendendo que se trata de querer bem, de buscar e salvar o que está se destruindo, de lavar os pés das pessoas, de fazer com que elas entrem no mistério mais profundo de seu eu e lá ouçam uma voz rouca que lhes diz: “Vem, estou te procurando, venho atrás de ti”. E essa voz, quando ouvida, os remete ao alegre serviço, à alegria de servir. “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”.

Jesus entende toda sua atuação como um serviço. Pagola nos explica claramente: “Cristo é chamado oferta, semente, fermento, mas nunca imposição. Na Igreja precisamos corrigir o que há de imposição não evangélica, para adotar uma atitude total de serviço. Um cristianismo autoritário tem pouco futuro. Numa sociedade plural esse cristianismo já não disporá do poder político nem de organização social que possuía antes. Sua influência na cultura e na educação será cada vez menor. Ser-lhe-á difícil viver na defensiva, em luta desigual com as correntes modernas. O passar do tempo trabalha contra o autoritarismo religioso, mas pode oferecer possibilidades insuspeitadas no seguimento de Jesus, entendido como serviço humanizador ao homem desvalido de todos os tempos” (José Antonio Pagola, Marcos, p. 213).

Um serviço humanizador. Eis a palavra-chave. Não se trata apenas de colocar atos de humildade aqui e ali, nem de servir por servir. Pagola fala do “homem desvalido de todos os tempos”.

Eis um pequena lista de serviços humanizadores a serem prestados:

♦ Quem puder preste serviço pela palavra e pelo exemplo para que as pessoas se casem de verdade, que se disponham a construir uma história de carinho e mútuo serviço, que façam de sua casas uma Igreja doméstica. Serviço conjugal, serviço familiar. Gratuito, sem exigir retribuição. Os pais prestam serviço aos filhos na medida em que os arrancam de uma sociedade robotizada, tola e vazia. Na medida em que chamam sua atenção para um Jesus que lava os pés dos outros.

♦ Há o serviço a ser prestado ao ser humano em tantos lugares e contextos, de modo especial na escola. A escola não é apenas espaço de aprendizagem de conteúdos, mas de crescimento do ser humano. Há uma oferta de valores a ser prestada: tolerância, paciência,u capacidade de olhar e de escutar. Os educadores tentam tirar os alunos do universo mercadológico e consumista.

♦ Há o serviço de fazer com que as pessoas revisitem seu interior. Conheçam seus desejos e anseios mais profundos e procurem desvencilhar-se da cultura do imediatismo, da não assimilação das mensagens, do deletar antes da hora o que nem absorveram. Seres tontos andando pela história afora. Serviço de levar as pessoas ao silêncio exterior e também aos incríveis decibéis do barulho interior que abafa a verdade de cada um.

♦ Há o serviço a ser prestado a partir dos valores evangélicos. Pais, paróquias e educadores precisam coloca-los em destaque. Nada de conferências, mas testemunho de vida. Não vamos ficar defendendo apenas um religião de ritos, práticas religiosas e verdades engessadas. O cristianismo tem valores que, aparentemente, parecem paradoxais, mas que transmitem vida e humanizam. Pedro José Gómez Serrano fala deles: “Na verdade os valores que Jesus propõe como capazes de levar o ser humano ao seu máximo desenvolvimento não deixam de ser, à primeira vista, desconcertantes: o perdão diante da violência, partilhar em vez de acumular; cooperar em vez de competir, ser austeros e não consumistas, amar sem esperar retorno, dar vida em prol dos outros em vez de querer desfruta-la somente para si”. Não seria este um serviço urgente em vez da busca de honras pessoais?

Textos seletos

Assim lemos na Regra de São Francisco para seus frades que ele designa de Irmãos Menores:

♦ “Nenhum dos irmãos tenha qualquer poder ou domínio, sobretudo entre si. Porquanto, como diz o Senhor no Evangelho , os príncipes das nações têm o domínio sobre elas; e os que são maiores entre as gentes têm o poder sobre elas. Entre os irmãos não há de ser assim, mas aquele que quiser ser o maior, entre eles, seja deles o ministro ou o servo, e aquele que é o maior faça-se o menor” (Regra não bulada, 5). Entre os irmãos “nenhum se chame prior, mas todos, indistintamente, se chamem irmãos menores. E lavem os pés uns dos outros” ( Regra não bulada, 6).

José A. Pagola fala de pessoas que são grandes, mas não sabem que o são:

♦ Seu nome nunca aparece nos jornais. Ninguém lhes cede passagem em lugar nenhum. Não têm títulos nem contas bancárias invejáveis, mas são grandes. Não possuem muitas riquezas mas tem algo que não pode se comprar com dinheiro: bondade, capacidade de acolhida, ternura e compaixão para com o necessitado.

♦ Homens e mulheres comuns, pessoas do povo simples a quem quase ninguém dá valor, mas que vão passando pela vida semeando amor e carinho ao seu redor. Pessoas boas que sabem viver dando uma mão e fazendo o bem.

♦ Pessoas que não conhecem o orgulho nem têm grandes pretensões. Homens e mulheres que são encontrados no momento oportuno, quando se precisa de uma palavra de ânimo, do olhar cordial, da mão próxima. (Pagola, Marcos, p. 214)


Oração

Viver amando.
Amar esperando.
Acolher cantando.
Cantar semeando.
Semear sonhando.
Sonhar construindo.
Construir compartilhando.
Compartilhar bendizendo.
Bendizer acompanhando.
Acompanhar caminhando.
Caminhar vivendo
e viver amando.
Todos os dias no-lo sussurras.
E mesmo assim o esquecemos, Senhor.

Florentino Ulíbarri


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Entre nós não deve ser assim

José Antonio Pagola

A caminho de Jerusalém, Jesus vai advertindo seus discípulos sobre o destino doloroso que o espera a ele e aos que seguem seus passos. A inconsciência dos que o acompanham é incrível. Ainda hoje continua se repetindo.

Tiago e João, os filhos de Zebedeu, separam-se do grupo e se aproximam, só eles dois, de Jesus. Não precisam dos outros. Querem ficar com os postos privilegiados e ser os primeiros no projeto de Jesus, tal como eles o imaginam. Seu pedido não é uma súplica, mas uma ridícula ambição: “Queremos que nos faças o que te vamos pedir”. Querem que Jesus os coloque acima dos outros.

Jesus parece surpreso. “Não sabeis o que pedis”. Não entenderam nada do que ele dizia. Com grande paciência Jesus os convida a perguntar-se se são capazes de compartilhar seu destino doloroso. Quando tomam conhecimento do que está ocorrendo, os outros dez discípulos se enchem de indignação contra Tiago e João. Também eles têm as mesmas aspirações.

A ambição sempre divide e confronta os discípulos de Jesus. A busca de honras e protagonismos interesseiros rompe a comunhão da comunidade cristã. Também hoje. O que pode haver de mais contrário a Jesus e a seu projeto do servir à libertação das nações?

O fato é tão grave que Jesus “os reúne” para deixar claro qual é a atitude que deve caracterizar seus seguidores. Todos conhecem de sobra como atuam os romanos, “chefes das nações” e “grandes” da terra: tiranizam as nações, submetem-nas e fazem sentir a todos o peso de seu poder. Pois bem, “entre vós não deve ser assim”.

Entre os seguidores de Jesus tudo deve ser diferente: “Quem quiser ser grande seja vosso servo; e quem quiser ser primeiro seja escravo de todos”. A grandeza não se mede pelo poder que se tem, pela posição que se ocupa ou pelos títulos que se ostentam. Quem ambiciona estas coisas na Igreja de Jesus não se torna grande, e sim mais insignificante e ridículo. Na realidade é um estorvo na promoção do estilo de vida desejado pelo Crucificado. Falta-lhe um traço básico para ser seguidor de Jesus: servir.

Na Igreja, todos nós precisamos ser servidores. Precisamos colocar-nos na comunidade cristã não a partir de cima, a partir da superioridade, do poder ou do protagonismo interesseiro, mas a partir de baixo, a partir da disponibilidade, do serviço e da ajuda aos outros. Nosso exemplo é Jesus. Ele não viveu nunca “para ser servido, mas para servir”. Este é o melhor e mais admirável resumo do que foi sua vida.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A grande ambição: servir e dar a vida

Pe. Johan Konings

O evangelho de hoje é provocador. Os melhores alunos de Jesus solicitam uma coisa totalmente contrária ao que ele tentou ensinar. Pedem para sentar nos lugares de honra no seu reino, à sua direita e à sua esquerda. Não compreenderam nem a pessoa, nem o modo de agir de Jesus. Seu pedido era tão vergonhoso que o evangelista
Mateus, quando contou mais tarde a mesma história, disse que foi a mãe deles que pediu (MT 20,20).

Devemos situar esse episódio no seu contexto. Mc 8,31-10,45 é a grande instrução de Jesus a caminho, balizada pelos três anúncios da Paixão. O evangelho de hoje é a continuação do 3° anúncio da Paixão: estamos no fim da instrução, e parece que até os melhores alunos ainda não aprenderam nada. De fato, só aprenderão depois da morte e ressurreição de Jesus. Por enquanto, em contraste com a incompreensão dos alunos, eleva-se a grandeza da lição final: o dom da própria vida.

A 1ª leitura prepara-nos para compreender melhor o evangelho. É o 4° cântico do Servo Sofredor. No seu sofrimento ele assumiu a culpa de muitos. Por isso, Deus o ama duplamente: porque ele é justo e porque seu sangue leva os outros a serem justos. Infelizmente, a humanidade precisa de vítimas da injustiça para reencontrar o caminho da justiça. A recente história da América Latina está cheia disso: os mártires que com seu sangue testemunharam o caminho da fraternidade. E ao lado desses mártires de sangue temos ainda os mártires do dia-a-dia, que não são poucos: pessoas que sacrificam sua juventude para cuidar de pais idosos, que sacrificam carreira lucrativa para se dedicar à educação dos pobres … São estes que santificam nosso mundo cruel.

O justo que dá sua vida pelos outros é chamado “servo”, porque serve. Ele é o antipoder. O povo diz: “Quem pode mais, chora menos”. O Servo diria: “Quem pode mais, serve menos”. Jesus diria: “Quem ama mais, sofre mais”. Jesus é a plena realização do “servo”. Aos apóstolos ambiciosos que desejam ter os primeiros lugares no Reino ele opõe seu próprio exemplo: “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45).

Casualmente, este evangelho coincide com o trecho de Hb lido na 2ª leitura. Aí o servo de Deus é chamado de sacerdote. Não no sentido do Antigo Testamento – pois aí os sacerdotes eram muitos e deviam ser descendentes de Aarão, o que Jesus não era. Mas no sentido de oferecer a Deus, por todos nós, a própria vida. Aliás, ele é o único sacerdote conforme o Novo Testamento. Aqueles a quem chamamos de sacerdotes são na realidade “ministros”, servos do sacrifício exercido por Jesus. Eles ministram no altar o sacrifício de Jesus, exercendo o sacerdócio ministerial. E os fiéis unem-se ao dom da vida Jesus exercendo na vida cotidiana o sacerdócio batismal do povo de Deus.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella